Prosperidade e Herança Escatológica¹⁴

O Senhor Que Te Sara
18 min readMar 30, 2023

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A escatologia de um cristão tem grande impacto na maneira como ele percebe as promessas de bênçãos materiais de Deus. Por isso, é pertinente dedicar um capítulo a expor como essas promessas se realizam em longo prazo na história, à medida que a igreja se aproxima do fim do mundo.

Quando a Escritura promete prosperidade aos cristãos, muitas vezes ela o faz referindo-se à herança da terra. E, muito embora o tema do “herdar a terra” apareça tantas vezes na Bíblia, muitos cristãos têm dificuldade para entender o sentido disso. Normalmente, eles imaginam que essa terra era apenas a Terra Prometida de Israel, e que os cristãos hoje nada têm com isso, e devemos esperar apenas o céu. Eles lançam então as promessas de herdar a terra que aparecem no Novo Testamento para após a ressurreição. A nossa condição no presente é a de peregrinos. Nossa vida é uma peregrinação para a Canaã celestial, que alcançaremos quando morrermos. Estamos aqui na terra apenas “de passagem”, mas nosso lar é no céu.

A autoconsciência dos cristãos como “peregrinos” é central naqueles que adotam a escatologia amilenarista. É um dos motes favoritos deles, praticamente o definidor das suas vidas e expectativas. Como se não bastasse, os cristãos de língua anglófona frequentemente usam também um termo ainda mais impotente do que “peregrinos”, que é “exiles”. We’re a church of exiles, eles dizem nos sermões e escrevem nos livros. Eles se enxergam como o povo de Deus vivendo em exílio na Babilônia. Somente quando Deus destruir a Grande Babilônia do Apocalipse, a igreja sairá dessa condição de exílio e entrará para a Canaã celestial.

Para eles, isso se torna uma desculpa para a inação. Se somos exilados, não podemos fazer nada além de cuidar das nossas vidas. É um evangelho bastante derrotista, que torna todas as promessas de Deus para o presente e toda a realidade avassaladora do reino de Cristo irrelevantes. Não vou produzir uma resposta completa à noção de exilados, mas basta indicar que o exílio é uma maldição pactual. O domínio sob a Babilônia foi uma punição horrenda pela apostasia de Israel. Se os cristãos são destinados a viverem como exilados até o fim do mundo, e isso como igreja, logo a igreja de Cristo é apóstata e ainda vivemos sob a maldição da lei. Mas a Escritura diz que as portas do inferno não prevaleceriam contra a igreja e que, mesmo nos piores momentos, Deus sempre preserva um remanescente fiel. Diz também que Jesus tomou sobre si a maldição da lei e assim nos libertou dela. Logo, quem afirma que somos uma igreja de exilados desfere um golpe duplo em Jesus e na igreja, no noivo e na noiva. Tais teólogos merecem excomunhão, porque nem sequer começaram a professar a fé cristã básica.

Agora, a noção de “peregrinos” é mais complexa e merece uma resposta mais detalhada. Para isso, vamos verificar os textos bíblicos relevantes. Em primeiro lugar, existem textos que nos chamam de peregrinos sem qualquer conotação de posição escatológica, mas apenas para indicar a nossa mortalidade em comparação com a eternidade de Deus:

Também a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos. Portanto, em toda a terra da vossa possessão dareis resgate à terra (Lv 25.23–24).

Porque somos estranhos diante de ti e peregrinos como todos os nossos pais; como a sombra são os nossos dias sobre a terra, e não temos permanência (1Cr 29.15).

Esse é simplesmente o ensino sobre a transitoriedade da vida. É algo que não tem nenhuma relação com a nossa condição como cristãos, mas apenas como humanos. Nesse sentido, os ímpios são peregrinos tanto quanto os justos. De modo que textos como esses não dizem nada sobre a nossa salvação, nosso chamado como cristãos ou sobre escatologia. Agora, é notável que, mesmo como “peregrinos” na terra de Deus, as promessas de prosperidade foram feitas a nós. O fato de termos uma vida mortal e de certo modo breve não gera nenhuma tensão com uma teologia de prosperidade.

Além disso, há textos que se referem aos leitores como “peregrinos” apenas em sentido literal, isto é, pessoas vivendo em terras estranhas:

Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia… (1Pe 1.1)

Ora, se invocais como Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo as obras de cada um, portai-vos com temor durante o tempo da vossa peregrinação… (1Pe 1.17)

Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma (1Pe 2.11).

Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos (Sl 119.19).

Quantas vezes não ouvimos exposições em 1Pedro que fazem grandes pontos sobre como nós somos “peregrinos” neste mundo? E, no entanto, Pedro deixou claro no primeiro versículo o que ele quer dizer com esse termo: os seus leitores eram judeus da Diáspora, logo forasteiros pelo império romano. Não há nada de “espiritual” nisso. Ele é o único autor do Novo Testamento que chama os seus leitores assim, e precisamente o autor que se dirige a peregrinos literais. Mas é raro encontrar um expositor que consegue perceber isso e evitar as aplicações erradas ao longo da carta.¹⁵

Quanto ao Salmo 119, o autor claramente estava sendo perseguido, pois ele o diz ao longo do salmo inteiro. Logo, se ele diz “sou peregrino”, a referência mais provável é ao fato de viver em fuga, como ocorreu a Davi quando fugia de Saul. Alternativamente, o sentido pode ser o primeiro que expus acima, o da mera mortalidade. A aplicação de um “sou espiritualmente peregrino nesta vida em direção à Canaã celestial” deve ser imposta pela força ao texto.

Por falar nisso, deixe-me dar uma dica sobre hermenêutica: um termo em uma dada instância não acumula os sentidos de todas as demais instâncias. Esse é um dos principais erros dos teólogos da peregrinação: em lugar de deixar o sentido de uma palavra ser definido pelo contexto, eles tomam o sentido favorito deles, que é essa espécie de “peregrinação espiritual escatológica”, e o impõem a todos os lugares da Bíblia em que ele aparece. Agora, quando Tiago diz que somos justificados por obras, eles sabem explicar muito bem que “justificação” em Tiago não significa o mesmo que “justificação” em Paulo. Isso porque eles lidam com a ideia de justificação na forma de teologia sistemática. Mas quando lidam com aquilo que chamam de “teologia bíblica”, facilmente caem na tentação de acumular os sentidos dos termos onde quer que eles apareçam — é como se isso fornecesse um “colorido” especial nas suas concepções teológicas que eles não conseguem evitar. Por isso, muito do que se chama de “teologia bíblica” é apenas defeito de leitura. Não se deixe levar pela emoção de traçar conexões onde não deve haver nenhuma.

Agora, quando chegamos em Hebreus, o tema da peregrinação começa a ganhar cores escatológicas e espirituais. Mas o resultado é o exato oposto do que os amilenaristas aplicam.

Todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria. E, se, na verdade, se lembrassem daquela de onde saíram, teriam oportunidade de voltar. Mas, agora, aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles, de ser chamado o seu Deus, porquanto lhes preparou uma cidade (Hb 11.13–16).

Até aqui, parece que o autor favorece a lição de que somos peregrinos aguardando a cidade celestial. Mas poucos parecem notar que o texto não diz nada sobre nós, e sim sobre eles, os patriarcas e cristãos do Antigo Testamento. Quando o autor se dirige aos leitores, uma mudança radical aparece:

Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados (Hb 11.39–40).

Mas tendes chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis hostes de anjos, e à universal assembleia… (Hb 12.22)

Veja só isso. Após traçar toda uma lista de homens e mulheres de fé, os quais morreram sem haverem visto a promessa de Deus, aguardando a chegada da cidade celestial, o autor diz: “por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito”. Qual coisa superior? Ele diz no capítulo seguinte: em contraste com os israelitas que estavam perante o monte Sinai no deserto — sim, no deserto, exatamente onde os amilenaristas dizem que nós estamos simbolicamente na estrutura escatológica — nós estamos já no monte Sião, na Jerusalém celestial, na cidade do Deus vivo. Nós já chegamos lá! Nós já possuímos agora o que Abraão aguardava.

Existem outros textos de Hebreus que de fato parecem colocar a entrada na cidade de Deus para o futuro. Um deles encontra-se no final da epístola:

Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério. Na verdade, não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir (Hb 13.13–14).

É necessário observar o contexto aqui. Desde o início, o autor está urgindo os leitores a que não se deixem persuadir pela pressão dos judeus para que voltem às cerimônias da antiga aliança, uma vez que Jesus fez uma aliança superior conosco. O final do capítulo 8 sugere que a antiga aliança, por estar velha e obsoleta, estava prestes a desaparecer. Assim, tudo aquilo que representava a persistência da antiga aliança iria ser destruído, o que inclui a cidade de Jerusalém. Quando o autor diz “Saiamos a ele fora do arraial levando o seu vitupério”, não é nenhuma “saída” mística, existencial ou espiritual (e chega a ser hilário ver expositores forçando esse sentido nesse texto): é realmente sair da cidade literalmente, como Cristo saiu para ser sacrificado fora dela. “Retirai-vos dela, povo meu, para não serdes cúmplices em seus pecados” (Ap 18.4; cf. Is 52.11). Como Jesus disse no seu sermão profético, “Quem estiver na Judeia fuja para os montes”.

E então o autor acrescenta “Na verdade, não temos aqui cidade permanente”. Faz todo o sentido dizer isso uma vez que Jerusalém estava prestes a ser destruída. Jerusalém não era mais a cidade de Deus, a alegria de toda a terra (Sl 48.1–3), e o monte Sião não era mais uma referência de firmeza (Sl 125.1–2). Pelo contrário, Deus iria abalar aquela terra e removê-la do mundo, para que somente o inabalável reino de Deus permanecesse (Hb 12.27–29). Isso representava uma mudança radical no modo dos cristãos judeus perceberem sua própria identidade, por isso a ênfase. Saiam da cidade, como Jesus saiu, porque ela não irá subsistir.

Mas o versículo termina dizendo “buscamos a que há de vir”. A cidade virá no futuro, mas isso não muda o fato de que os leitores já chegaram nessa cidade. Nada de estranho nisso — lembrese de que Paulo afirmou nossa posição ao lado de Cristo no céu já no presente (Ef 2.6), ainda que nós estejamos corporalmente aqui na terra. De qualquer forma, a cidade veio após a destruição de Jerusalém, como João profetizou no Apocalipse: após o incêndio da velha Jerusalém, que é a Grande Babilônia, vem do céu à terra a Nova Jerusalém (Ap 21.10). Uma vez que o dono da vinha destruiu os lavradores que usurparam o poder sobre a sua terra (esquecendo-se de que eram “estrangeiros” no sentido de Levítico 25), deu-a a um novo povo que faria brotar os seus frutos (Mt 21.33–46). Sem a opressão dos judeus, que usavam do poder dos romanos para perseguir os cristãos, finalmente os cristãos ficaram livres para estabelecerem o reino celestial aqui na terra.

Somente a hermenêutica preterista pode fazer sentido de todos os textos bíblicos escatológicos. Sob o amilenarismo, uma série de textos precisa se tornar metáfora ou alegoria, e várias “tensões” precisam ser introduzidas a fim de mascarar as contradições. Agora, eu sugiro que você estude mais a respeito desse assunto em outros livros — há muitos bons livros demonstrando a escatologia preterista e o sentido do Apocalipse nesse esquema.¹⁶ Não irei mais me delongar nesse assunto, porque o nosso tópico aqui é a promessa de prosperidade. Como, no entanto, esses textos de Hebreus costumam ser utilizados para debilitar a nossa fé nas promessas de bênçãos materiais na vida presente, era importante que eu os colocasse no seu lugar certo.

E quanto a Hebreus 3 e 4, nada há ali que sugira que estamos no deserto em qualquer sentido. O argumento do autor é: assim como os israelitas não entraram no descanso de Deus porque desobedeceram à sua voz quando estavam no deserto, também nós temos de ter cuidado e obedecer à voz de Deus para entrarmos no seu descanso. De fato, a peregrinação no deserto não descreve a situação do povo fiel, e sim a do povo rebelde. Logo, esses capítulos não dizem nada sobre o nosso tema, mas, quando os amilenaristas o utilizam como se ele refletisse a jornada dos cristãos neste mundo, estão colocando os cristãos no lugar dos rebeldes. O tiro sai pela culatra.

Quanto a Josué e Calebe, sua entrada na terra foi atrasada por causa da rebelião dos seus compatriotas, mas eventualmente eles entraram, venceram, dominaram e herdaram. Quando o autor de Hebreus diz que a entrada na terra não era o descanso definitivo (4.8), logo fica demonstrado que a entrada no descanso espiritual de Deus — a ida para o céu ou mesmo a experiência presente de descansarmos em Deus — é perfeitamente compatível com a vitória e a prosperidade na terra, uma vez que Josué e Calebe desfrutaram das duas coisas. Enfim, o esquema amilenarista não faz mais do que bagunçar tudo ao espiritualizar e beatificar a peregrinação no deserto.

Há outro texto que é frequentemente utilizado pelos teólogos da peregrinação e que também não diz nada sobre esse assunto, desta vez em Filipenses:

Pois a nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas (Fp 3.20–21).

Daqui já é possível ouvir os apelos: nossa pátria está no céu! Nossa casa não é aqui! Estamos no mundo apenas de passagem! Mas espere, onde isso está escrito? O texto diz que a nossa pátria está no céu. Isso diz algo sobre o nosso vínculo com o céu, mas não diz nada sobre a nossa relação com o mundo. Se nossa pátria está no céu, logo somos cidadãos do reino do céu, cremos na verdade revelada do alto, obedecemos às ordens daquele cujo trono está no céu, e do céu aguardamos a vinda do Rei para ressuscitar nossos corpos. No entanto, a nossa posição diante do mundo não está automaticamente esclarecida.

Mas o texto completo nos indica a resposta. Paulo diz que Jesus tem poder para subordinar a si todas as coisas. É uma referência ao Salmo 110.1, o versículo mais citado no Novo Testamento, e que se realiza escatologicamente por meio da vitória progressiva de Cristo sobre os seus inimigos (conforme 1Coríntios 15), restando apenas destruir a morte no último dia. Além disso, quando Paulo diz que a nossa pátria está nos céus, o contexto mostra o contraste entre nós e aqueles judeus ímpios cujo deus é o estômago. Logo, se somos diferentes desses judeus, é uma diferença na nossa ética. Somos cidadãos do céu, logo não seguimos as leis mundanas. Portanto, a aplicação deste texto nos diz que temos de aplicar a Constituição do reino do céu enquanto vivemos aqui na terra, em lugar de agirmos como quem pertence a este mundo caído. Escatologicamente, isso não significa que somos estrangeiros, e sim colonos. Não somos peregrinos, e sim conquistadores. Viemos em nome do Rei do céu declarar os seus direitos régios sobre este mundo, a sua oferta de paz (Salmo 2.10–12) e a sua ameaça de exílio contra aqueles que não se renderem. Conforme Cristo vence os seus inimigos, estabelecemos o domínio dele sobre a terra, até que os ímpios estejam totalmente derrotados. Não, nós não estamos de passagem. Nós viemos para ficar.

E por fim, se tudo isso ainda não bastar, temos um texto explícito que diz não somos peregrinos:

Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois da família de Deus (Ef 2.19).

Os verdadeiros estrangeiros e peregrinos são os ímpios. Se a terra e a sua plenitude pertencem a Deus, logo quem está sem Deus é que é o elemento estranho — o joio semeado de modo espúrio no campo de trigo (Mt 13.24–30, 36–43). O mundo é nosso; os ímpios estão aqui de “penetras”. É injustificável a paixão que os cristãos têm pela alcunha de “peregrinos” quando a Escritura atribui a peregrinação aos ímpios ou aos cristãos antes da vinda de Cristo em qualquer sentido espiritualmente ou escatologicamente relevante. Claro, você poderia dizer que, porque somos concidadãos dos santos e da família de Deus, logo somos estrangeiros em relação ao mundo, e não a Deus. Mas por que você iria querer mudar o ponto de referência apenas para continuar chamando a si mesmo dos mesmos nomes dos quais a Bíblia diz para você não se chamar? Isso é um truque arbitrário para contornar a Escritura. E, como vimos, o fato de sermos da cidade de Deus não nos torna por definição peregrinos no mundo.

Não somos peregrinos, e sim herdeiros do reino de Cristo sobre a terra:

O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados (Rm 8.16–17).

Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? (Rm 8.31–32).

Herdeiros — é assim que os cristãos devem se ver, não como peregrinos.

Alegorizar a promessa da Terra Prometida, como se ela houvesse se transformado em uma “Canaã celestial” no Novo Testamento, não tem nenhuma base bíblica. A Bíblia ensina algo muito mais simples: que a promessa da herança na terra abrange o mundo inteiro, e que a terra de Canaã era apenas o início. Isso pode ser provado a partir de Abraão:

Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé (Rm 4.13).

A Terra Prometida aparece pela primeira vez em Abraão. Mas ela não se limitava apenas à pequena faixa de terra onde os cananeus habitavam. Paulo diz que Abraão recebeu a promessa de ser herdeiro do mundo, e não apenas ele, mas a sua descendência. Abraão de fato morreu sem ter visto a promessa, como vimos em Hebreus 11. Mas Deus preparou algo superior para nós e nos fez entrar na Jerusalém celestial, como vimos em Hebreus 12. E como habitantes da Jerusalém celestial que já desceu à terra após o exílio da velha Jerusalém, estamos prontos para herdar o mundo.

Assim, o desígnio de Deus desde o Gênesis foi que a descendência de Abraão herdasse todo o mundo, iniciando na terra de Canaã. Historicamente, Deus de fato tirou Israel do Egito e os levou para conquistar a terra dos cananeus prometida a Abraão. Mas a Bíblia deixa claro que a promessa da herança do mundo nunca foi esquecida: Israel deveria ser uma luz para as nações, de modo que as demais nações também obedecessem a Deus (Dt 4.6–8). Além disso, Davi, profetizando sobre o Messias, disse que Deus daria ao Rei todas as nações por herança e estenderia o seu domínio até os confins da terra (Sl 2.8). Isso é reiterado no Salmo 72 e depois abundantemente pelos profetas. Deus nunca revogou a sua promessa de uma terra física e literal, mas apenas expandiu para que abrangesse o planeta inteiro. E isso é realizado hoje através da Grande Comissão. A Jerusalém celestial nunca foi uma substituição para a Terra Prometida; antes, é a partir da Jerusalém celestial que a terra é de fato conquistada e habitada pelos filhos do céu, conforme a oração “Venha a nós o teu reino”.

Há mais uma evidência interessante na redação do quinto mandamento:

Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá (Ex 20.12).

Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra (Ef 6.2–3).

Quando Deus proclamou o mandamento pela primeira vez, ele diz “na terra que o Senhor, teu Deus, te dá”, o que no contexto se refere à terra prometida para onde os israelitas estavam indo. Mas quando Paulo repete o mandamento, ele apenas diz “sejas de longa vida sobre a terra”. Qual terra? Qualquer uma, porque a terra prometida é a terra inteira. Paulo não eliminou a ideia da terra, antes a enfatizou: “que é o primeiro mandamento com promessa”.

A promessa da herança da terra é declarada mesmo em um texto tão conhecido como o sermão do monte:

Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra (Mt 5.5).

Os cristãos leem isso e pensam que “herdar a terra” é algo como “ir para o céu”. Mas terra e céu não são a mesma coisa — e é estranho ter de dizer algo tão óbvio. Essa declaração é uma citação do Salmo 37, que diz muitas e muitas vezes que os justos — os mansos — herdarão a terra enquanto os ímpios serão destruídos, bastando que se aguarde com paciência a intervenção de Deus. O contexto do Salmo deve ser considerado para a interpretação da bem-aventurança. Assim, não há como alegorizar a “terra” e nem postergar essa promessa para após a ressurreição.¹⁷ A promessa de Deus é que herdaremos a terra já nesta vida.

Os provérbios dizem a mesma coisa:

Porque os retos habitarão a terra, e os íntegros permanecerão nela. Mas os perversos serão eliminados da terra, e os aleivosos serão dela desarraigados (Pv 2.21–22).

Você percebe como o ensino bíblico é consistente a esse respeito, e como a teologia dos peregrinos — e pior ainda, a dos exilados — inverte totalmente as promessas de Deus? Como McDurmon diz, essa teologia faz dos cristãos o alvo da maldição de Deus e dos ímpios os herdeiros da terra.¹⁸ Em última instância, Deus é o dono de toda a terra (Sl 24.1), como vimos em Levítico 25. Mas se ele distribuirá a terra por herança, a quem ele a dará: aos justos ou aos ímpios? Chega a ser blasfêmia sugerir que os cristãos passarão todos os milênios até o fim do mundo como “forasteiros” ou “exilados” enquanto os ímpios desfrutam da bênção de serem os donos da terra, tudo isso sob o reino messiânico já inaugurado. É um ataque a todo o sistema de valores de Deus.

Assim, se nós somos os herdeiros e os ímpios são os intrusos, e se o reino de Cristo se expandirá por toda a terra aumentando o seu domínio terreno, nada mais natural do que:

O homem de bem deixa herança aos filhos de seus filhos, mas a riqueza do pecador é depositada para o justo (Pv 13.22).

Essa é a escatologia da prosperidade. Uma vez que a prosperidade é prometida aos justos e a miséria é uma maldição contra os ímpios, o curso da história é o enriquecimento progressivo dos cristãos e o empobrecimento paralelo dos descrentes. Claro, isso se realiza de modo paulatino, e a Escritura ordena que sejamos pacientes em Deus enquanto sofremos e que não desanimemos ao vermos a prosperidade dos ímpios. Mas a solução é muito clara: ainda que leve mais tempo do que gostaríamos, veremos a destruição dos ímpios e a prosperidade que eles tanto se empenharam para acumular cair em nossas mãos, assim como os israelitas despojaram os egípcios quando foram libertados.

Essa reestruturação da nossa escatologia em conexão com a promessa de prosperidade traz implicações tremendas. Os cristãos devem gerir suas vidas visando à prosperidade de longo prazo. Eles devem de fato se preocupar com a constituição de uma herança. Eles devem tomar posse da terra em benefício dos seus descendentes. Nem a teologia do “arrebatamento iminente” dos dispensacionalistas nem a teologia escapista dos amilenaristas é capaz de fundamentar esse esforço. Os cristãos precisam manter o olhar sempre nas próximas gerações e gerir as suas finanças e o seu legado espiritual para a maximização do capital espiritual e financeiro dos seus descendentes.

A promessa de prosperidade significa a expansão da herança do justo para os seus sucessores. Todo cristão precisa se preocupar com isso. O que vemos, no entanto, é um descaso da parte dos cristãos com qualquer planejamento que exceda o período curto de suas vidas. Eles não se importam muito com o futuro dos seus filhos e netos, não em termos de herança e domínio.

O Salmo 37 tem uma relevância especial para os nossos dias. Devido ao abandono dos cristãos das suas responsabilidades para com o futuro e à negação das promessas de prosperidade, o Estado anticristão assumiu o papel de herdeiro da terra. O Estado impõe impostos sobre a terra, impostos sobre a propriedade e ainda impostos sobre a herança, tudo para usurpar o papel de Deus, que é o único dono de toda a terra. Nessa situação, como no caso do dízimo que comentei anteriormente, fica cada vez mais difícil constituir uma herança duradoura.

Mas é exatamente por isso que os cristãos precisam, com muito mais vigor e firmeza, apegar-se às promessas de Deus. Os ímpios detêm os direitos sobre a terra, mas Deus irá condená-los ao exílio e repartir a terra para os filhos do reino. Torna-se ainda mais urgente orar e confiar em Deus, em obediência aos seus mandamentos e em consistência com a nossa vocação como descendentes de Abraão, o herdeiro do mundo. Os cristãos precisam priorizar a constituição de uma herança e fortalecer a sua fé na promessa de Deus que garante o sucesso nesse esforço. Chegou a hora de expulsar os cananeus do nosso terreno. Porém, isso nunca acontecerá enquanto os cristãos insistirem na sua ojeriza contra as promessas de prosperidade e defenderem uma indiferença e um escapismo com relação à responsabilidade de maximizar riquezas. Isso torna os cessacionistas traidores do reino messiânico e colaboradores dos pagãos.

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¹⁴ Ver o Apêndice I sobre a herança de Abraão e os seus dramas familiares.
¹⁵ Confira Inglorious Kingdoms, de Joel McDurmon, para uma brilhante refutação da teologia dos “exilados” e sua interpretação de 1Pedro.
¹⁶ Por exemplo: Days of Vengeance, de David Chilton; Apocalipse para Leigos, de Kenneth Gentry; End Times Prophecy, de Brian Godawa, etc.
¹⁷ Já ouvi um pregador dizer que o “herdar a terra” do Salmo 37 significa herdar Deus, porque a terra era um símbolo associado com o próprio Deus (seja lá o que isso queira dizer). Isso não é distorção, é destruição semântica. Claro, Jeremias diz “a minha porção é o Senhor” (Lm 3.24), logo é correto dizer que nós herdamos Deus. Mas Deus e a terra são coisas diferentes, logo herdar Deus e herdar a terra são coisas diferentes. A aplicação do pregador acabou afirmando o panteísmo ao identificar Deus com a terra.
¹⁸ Conferir Inglorious Kingdoms, de Joel McDurmon.

— Poder do Alto

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O Senhor Que Te Sara
O Senhor Que Te Sara

Written by O Senhor Que Te Sara

“Eu sou o SENHOR que te sara” (Êxodo 15:26). Despertando sua fé para o sobrenatural de Deus. Refutando o cessacionismo e outras doutrinas do incredulismo.

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