Prosperidade e Fé
Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas. Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal (Mt 6.24–34).
Os cristãos muitas vezes temem afirmar as promessas de prosperidade por pensarem que elas irão gerar um coração materialista e ambicioso. Mas o exato oposto é verdadeiro.
Essa seção do Sermão do Monte lida com a atitude correta do cristão em relação à busca por riquezas. Anteriormente, Jesus disse para não ajuntarmos riquezas na terra, e sim no céu, por dois motivos: primeiro, porque as riquezas do céu estão realmente seguras, ao passo que as da terra são passíveis de subtração, e segundo, porque as riquezas estão onde o nosso coração está, de modo que a nossa verdadeira lealdade é revelada pela destinação do nosso esforço. Apesar das divisões que aparecem nas nossas edições da Bíblia, esses versículos têm tudo a ver com a seção que transcrevi acima.
Jesus prossegue e diz que não é possível servir a dois senhores. Assim como não é possível que o nosso coração esteja nos tesouros do céu e nos tesouros da terra ao mesmo tempo, tampouco podemos servir a Deus e às riquezas. A metáfora da servidão, isto é, da escravidão, atinge o âmago do problema: pessoas que se preocupam demais com dinheiro são escravas dele, muito embora mantenham a ilusão de que têm o dinheiro sob o seu domínio. Um cristão deve ser escravo de Deus, logo, quando aborda o dinheiro, deve pô-lo debaixo da escravidão a Deus também, e não como o seu senhor rival de Deus.
Em seguida, todo o restante do capítulo 6 é marcado pela antítese entre ansiedade e fé. Os pagãos são movidos pela ansiedade quando buscam riquezas: eles pensam que está sob o poder deles ganhar e manter as riquezas, de modo que empreendem toda a sua energia nessa busca, constantemente assombrados pelo medo de perder tudo ou de faltar no futuro. Assim, eles provam que o seu coração está nos tesouros da terra e que são escravos de Mamom.
Jesus afirma que os cristãos não devem ser movidos pela ansiedade e oferece diversos argumentos para corrigir a perspectiva. Ele traz o Pai para dentro do problema e mostra como todas as nossas perguntas são resolvidas pela ação do Pai por nós. Em tudo, ele contrasta essa ação de Deus com a nossa impotência e passividade. As flores não se embelezam sozinhas, e as aves não adquirem comida pelos seus próprios planos: é Deus quem veste as flores e quem alimenta as aves, logo ele fará o mesmo por nós, que somos muito mais valiosos do que pássaros e flores. Além disso, a preocupação é totalmente inútil, porque nós não podemos mudar absolutamente nada do nosso destino pela nossa ansiedade, dado que é Deus quem controla todas as coisas.
Algumas pessoas se apressam a declarar que o texto não está eximindo os cristãos da responsabilidade de trabalhar e de planejar. Mas essa reação parece mais um resultado dessa mesma ansiedade que Jesus está condenando do que de uma leitura submissa. Outros textos bíblicos enfatizam o trabalho e a responsabilidade do homem, mas esse texto impõe que nós pensemos sobre nós mesmos como passivos diante de Deus. Não há contradição alguma, são apenas lições diferentes. Na perspectiva da metafísica, Deus é quem causa e controla todas as coisas, e diante dele nós somos tão indefesos quanto flores e pássaros. Na perspectiva da responsabilidade, Jesus nos diz de fato o que devemos fazer, mas ainda não chegamos lá.
Deus é soberano e causa todas as coisas, inclusive o nosso sustento. Ele faz isso monergisticamente, sem qualquer necessidade da nossa colaboração; aliás, colaborar com Deus no sentido de produzir um efeito por meio de uma concorrência de causas é inerentemente impossível, em vista da nossa infinita pequenez diante dele. Se Deus é todo-poderoso e causa todas as coisas, a ideia de que nós possamos fazer algo para contribuir nem mesmo pode se aplicar. Agora, mesmo os maiores entusiastas por essa doutrina frequentemente extraem conclusões antibíblicas. Na concepção de muitos cristãos, incluindo os cessacionistas, a soberania de Deus significa que Deus é imprevisível e que suas decisões são misteriosas. Eles tratam a soberania de Deus apenas como uma abstração que se ramifica em infinitas hipóteses que estão além do nosso entendimento, e descartam muito da revelação de Deus sobre como ele exerceria a sua soberania. É como se Deus não houvesse feito promessas nem alianças, nem mesmo uma revelação do seu caráter.
Jesus ensina que Deus é quem provê, e não nós mesmos. Mas ele afunila a nossa expectativa ensinando mais coisas a respeito de Deus. Além de soberano, ele é o “nosso Pai” — ele está em uma relação especial de beneficência para conosco de um modo que os pagãos não experimentam. E ele “sabe que necessitais de todas elas”. Jesus traz a onisciência de Deus para o argumento de que Deus de fato provê tudo o que precisamos. Deus sabe de todas as coisas, logo ele sabe do que precisamos, e ele de fato nos dá o que precisamos. Observe como os atributos de Deus são declarados com o fim de gerar em nós uma expectativa específica a respeito da sua providência. A prática da cristandade tradicional tem sido o oposto: derivar do estudo dos atributos de Deus apenas uma contemplação nebulosa, considerando tudo o que ele pode fazer, mas nunca afirmando que ele vai fazer algo definido e concreto por nós.
Por fim, Jesus colocou a promessa de provisão de Deus sob uma condição: que nós “busquemos em primeiro lugar o seu reino e a sua justiça”. É assim que se ajunta “tesouros no céu”. O cristão deve orientar a sua vida, gerir o seu tempo e aplicar a sua energia com o fim de promover o reino de Deus e a sua justiça. Isso é o que deve ocupar a sua mente, a sua visão e os seus planos. Como Jesus mesmo disse em outro lugar, “a minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou” (Jo 4.34).
Talvez você ainda não entenda muito bem como a busca pelo reino de Deus pode ser tão antitética à busca por dinheiro. Afinal, o dinheiro não é importante para o sustento de um lar e para o trabalho no reino de Deus? Mas observe bem a ênfase de Jesus. Ele diz “não andeis ansiosos” e “não vos inquieteis”. Mesmo quando um cristão trabalha para o sustento do seu lar, e mesmo quando ele procura melhorar suas condições, ele não é movido pela incerteza ou pela insegurança. Ele sabe que Deus é quem provê, e que isso é certo e sólido. Ainda assim, o intento de Jesus é oferecer um contraste mais forte, porque ele afirma que são os pagãos que procuram essas coisas, ao passo que o cristão deve apenas saber que Deus conhece nossas necessidades e investir a sua energia na busca pelo reino de Deus. Logo, existe um aspecto de passividade no cristão, um sentido em que ele realmente não está procurando ganhar dinheiro.
Pense nisto: os pagãos não buscam o reino de Deus e a sua justiça. O que eles fazem então com todo o seu tempo livre? Em que eles ficam pensando o dia inteiro? Eles trabalham até a exaustão, estão sempre se atualizando sobre investimentos e seguridade, correndo atrás de incontáveis diplomas e cursos e, quando deitam a cabeça no travesseiro, apenas torcem para que tudo isso dê certo. A vida toda deles é centralizada na busca infindável pela certeza de um futuro assegurado pela riqueza. E, no pouco tempo que lhes sobra, eles apenas aproveitam o resultado da sua riqueza em lazer, porém nunca de fato despreocupados. Não esquecendo, é claro, de jogar na loteria pelo menos nas viradas de ano.
Por outro lado, a vida cristã é marcada por uma relativa retração da busca por riqueza. O cristão investe muito menos tempo e energia na melhoria de suas condições materiais. Isso não é por indolência ou presunção, e sim porque ele obedece às prioridades que Deus determinou para a vida dele, e porque ele descansa na promessa de provisão de Deus. O cristão sabe que há riquezas celestiais que merecem a sua dedicação muito mais do que as riquezas terrenas. A vida do cristão não está na forma passageira deste mundo, e sim nos tesouros do palácio celeste de Deus. Lá está a sua verdadeira pátria. Devemos trabalhar pela comida que não perece (Jo 6.27).
Na prática, isso significa que o cristão irá trabalhar muito menos do que o descrente, até onde o trabalho for movido pela busca por riquezas. O cristão de fato trabalha muito, mas por outras razões, e em áreas que não têm a ver com ganhar dinheiro. O cristão irá descansar no domingo, em lugar de fazer hora extra (via de regra). Ele irá reduzir sua carga horária no trabalho para se dedicar ao governo piedoso do seu lar e à educação bíblica dos seus filhos, mesmo que isso signifique ganhar menos. Ele irá se devotar à oração e à leitura da Bíblia e de outros livros teológicos, mesmo que isso resulte em ler menos apostilas de cursos profissionalizantes e livros sobre empreendedorismo. Ele irá ouvir mais sermões e estudos bíblicos, e assim perder alguns cursos sobre investimento. Em razão de suas prioridades, ele irá recusar propostas de salários maiores, porque a demanda do trabalho iria tirá-lo do foco e prejudicar seu crescimento espiritual. Seus padrões morais também podem ser motivo de rejeitar certos contratos, ou até mesmo de atrair perseguição contra si mesmo no trabalho. Além disso, suas atividades principais não são lucrativas do ponto de vista mundano: promover a maturidade espiritual do seu lar, socorrer os aflitos, curar enfermos, aconselhar os seus irmãos em Cristo. E o modo como ele gasta o dinheiro não é em acercar-se ainda mais de uma falsa segurança para o futuro, ou apenas poupando e investindo, mas é principalmente para a expansão do reino de Deus no pagamento dos dízimos, no sustento de missões, na caridade, nos livros teológicos, no auxílio às emergências de irmãos.
Da perspectiva mundana, o cristão é louco por dar tão pouca importância a ganhar dinheiro. No entanto, o fato é que a ansiedade do mundano pela segurança da riqueza é uma falsa esperança. Ele nunca estará satisfeito e encontrará somente desilusão. Já o cristão vive dessa forma não porque ele não ache que o dinheiro é importante, e sim porque ele sabe que não compete a ele garantir isso para si. Os seus pensamentos relativos a dinheiro não estão cheios de dúvidas e de projetos alucinantes. Ele pensa e age com fé: tendo consciência de que está buscando o reino de Deus e a sua justiça, ele descansa na verdade de que todas as demais coisas lhe serão acrescentadas. O cristão não toma sobre si o peso de ser o seu próprio porto seguro. Para isso, ele confia em Deus, que é o único benfeitor todo-poderoso e interessado no nosso bem-estar material. Assim, ele tem a certeza de que desfrutará de prosperidade financeira, de riquezas materiais sim, porque ele espera receber de Deus, e não de si mesmo. E isso faz parte de suas orações e louvores.
Essa mensagem de Jesus é especialmente relevante para as mulheres de uma maneira que não seria tão necessária em outras gerações. Principalmente nas cidades grandes, as moças passam toda a vida, desde a infância, ouvindo os agentes de Satanás — incluindo os seus próprios pais — dizerem que ela deve se dedicar aos estudos na escola, depois a uma boa faculdade e então a uma carreira brilhante, tudo isso para alcançar uma “independência financeira” relativa aos homens. A pressão sobre elas é maior do que sobre os homens, porque supostamente elas precisam lutar e conquistar o seu espaço no mundo “machista”. Assim, são moldadas como feministas desde o berço. Como consequência, dedicam uma quantidade absurda de tempo e energia na carreira secular, deixando o seu lar ao cuidado de terceiros, enquanto se congratulam carnalmente pela sua vitória pessoal.
Essa atitude é condenável com base nesse texto de Jesus. Antes, a mulher deve se preocupar em buscar o reino de Deus e a sua justiça, o que, para ela, significa abandonar seus sonhos de carreira e tomar posse presencialmente da sua casa para auxiliar o seu marido e para criar bem os seus filhos na prática da piedade. As mulheres cristãs com frequência pensam que podem ter o melhor dos dois mundos, mas isso é o mesmo que tentar servir a dois senhores. Não cabe a ela, nem em relação a Deus nem em relação ao seu marido, buscar o sustento do lar. Ela deve confiar em Deus para prover por meio seu marido, e investir suas forças na edificação do reino de Deus dentro dos muros da sua casa.⁶ Se ela entrega isso a terceiros, como babás, creches, escolas e parentes, a fim de que ela possa sair e ganhar o mundo, ela prova não ser diferente dos pagãos. É claro que os homens também são culpados e responsáveis diante de Deus por permitirem essa situação. Homens que contam com a renda da esposa merecem dura repreensão, pois não estão permitindo que a esposa sirva a Deus como uma mulher deve servir.
Falarei mais sobre a relação entre trabalho e prosperidade em outro momento. Aqui, o mais importante é focar na promessa de Jesus para aqueles que se dedicam a esse outro tipo de trabalho, que é a busca pelo reino de Deus. Essa promessa exige fé para se realizar, pois ela não corresponde à correlação natural entre a busca pela riqueza e a sua conquista. No entanto, isso não é diferente das demais promessas espirituais no evangelho. Jesus disse que quem salvasse a própria vida iria perdê-la, mas quem perdesse a vida por causa dele encontrá-la-ia. Assim como os pagãos pensam que podem salvar a si mesmos por esforço próprio, também pensam que podem garantir a sua provisão material pelo seu muito empenho. Do mesmo modo, o cristão confia em Deus para o justificar, e também confia em Deus para lhe dar prosperidade material.
Muitos cristãos, ofendidos com a exigência de fé que Jesus faz, lançam o seu clichê, “Mas isso não cai do céu não!”. Espere, de onde foi mesmo que eles tiraram a ideia de “cair do céu” em primeiro lugar? Isso não faz parte da história maravilhosa do povo de Deus na Bíblia? É óbvio que “cai do céu”. Literalmente caiu do céu várias vezes. Deus fez o maná cair do céu para os israelitas. Ele mandou corvos levarem alimento para Elias no deserto. E depois, Jesus multiplicou pães e peixes por milagre para milhares. Então como pode ser tão antibíblico esperar que Deus crie prosperidade a partir do nada? O que quer que se possa dizer sobre o mandamento bíblico de trabalhar, ninguém pode fazer pouco caso do elemento milagroso da prosperidade, pois são os pagãos quem fazem isso.
É muito importante esclarecer também que a promessa de prosperidade aqui é de fato uma promessa de prosperidade, não apenas do mínimo necessário para a sobrevivência. É comum os cristãos pensarem que Jesus está prometendo somente comida e roupas, e mesmo assim apenas em nível mínimo. Jesus de fato deu como exemplos comida, bebida e roupas quando citou os pensamentos ansiosos dos pagãos e quando fez a comparação com as aves do céu e os lírios do campo. Além disso, há a leitura paralela do texto em 1Timóteo 6.8, “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes”.
Agora, esse texto de Mateus 6 não está falando sobre contentamento. Por isso, reservei esse assunto para outro capítulo. O texto está de fato falando sobre a certeza de que Deus nos confere prosperidade material. E há evidências de que Jesus não está falando somente sobre o mínimo de comida e roupas. Em primeiro lugar, o seu discurso sobre o assunto inicia desde o momento em que ele diz “Não ajunteis tesouros sobre a terra”. Em cada instante, ele contrasta a busca dos pagãos por riquezas e a busca dos cristãos por justiça. Nesse contexto, ele afirma a promessa de provisão. Logo, Jesus não está se limitando a comida e roupas, mas apenas usou essas coisas como exemplos da riqueza material maior que está no contexto mais amplo. Em segundo lugar, Jesus deixou claro que Deus nos acrescentaria “todas essas coisas”, e “essas coisas” são aquelas que os pagãos buscam. Mas os pagãos não buscam apenas comida e roupas. Eles querem muito mais. Logo, Jesus nos prometeu que o Pai nos acrescentaria todas as coisas que os pagãos buscam por esforço próprio, portanto prosperidade material em abundância. Em terceiro lugar, a promessa de prosperidade nesse texto é coerente com todos os demais lugares na Bíblia em que essa promessa aparece, como em Malaquias 3, em Deuteronômio 28, etc.
Adicionalmente, quando Jesus fala sobre roupas e traz à cena os lírios do campo, ele menciona Salomão, o homem mais rico do seu tempo, e afirma que mesmo os lírios do campo vestidos por Deus ficam mais belos do que as roupas de luxo de Salomão. Uma vez que Jesus pretende que esperemos de Deus ainda mais do que ele faz pelos lírios, pois valemos mais do que eles, logo a promessa não é apenas sobre as roupas meramente necessárias para cobrir a nudez, mas é sobre roupas realmente belas. Assim como Deus se agrada de vestir os lírios com beleza, e assim como ele se agradou de conferir riquezas e esplendor a Salomão, também podemos esperar que Deus nos vestirá muito bem.
Aliás, Salomão é um ótimo exemplo do cumprimento dessa promessa. Quando Deus lhe apareceu em sonho, a preocupação de Salomão não foi com riquezas nem com poder, e sim com a sabedoria para exercer justiça. Assim, ele buscou o reino de Deus e a sua justiça. A resposta de Deus foi atender ao seu pedido e ainda recompensá-lo com tudo o que ele não estava buscando: “todas essas coisas lhe serão acrescentadas”. Com um exemplo vivo tão inequívoco, não há como entendermos erroneamente a promessa de Jesus aqui.
Existe uma reação emocional contra essa promessa, porque ela parece incentivar os cristãos a serem materialistas e gananciosos. Porém, Jesus está afirmando o exato oposto: é por meio de aceitar a prosperidade que vem pela fé em Deus, em lugar de nos preocuparmos com ela com base em nossos esforços, que nós provamos ser diferentes dos pagãos materialistas e gananciosos. Se nossa energia mental e nossa dedicação de tempo e atividades estiverem concentrados na busca e na promoção do reino de Deus, o que inclui obedecer a todas as leis de Deus relativas ao dinheiro, então é impossível que sejamos culpados de materialismo e ganância.
Às vezes, a objeção continua de uma forma provocativa e casuística: quanto realmente significa essa prosperidade prometida? Milhões de reais? O carro mais caro e luxuoso? Iates e jatos particulares? Mas é muito fácil responder. Antes de mais nada, o cristão que se ressente desse tipo de riqueza é que precisa provar que há algo necessariamente errado com esses itens. Se ele não conseguir demonstrar biblicamente e textualmente que esse nível de riquezas é incompatível com a promessa de prosperidade, então ele deve cessar sua objeção e corrigir espiritualmente a sua reação emocional. O ônus da prova está com ele, não comigo. Talvez ele tente argumentar que esse nível de riqueza constitui uma tentação para o cristão negligenciar os seus deveres espirituais, distraindo-o da busca pelo reino de Deus, enredando sutilmente o seu coração em uma idolatria por coisas materiais. Talvez ele use o texto do contentamento com comida e roupas. No entanto, tudo isso é raciocínio circular, porque a minha exposição da promessa de prosperidade está inserida nesse contexto em que Jesus exige como condição a busca pelo reino de Deus e a sua justiça, o que já resolve de antemão todas essas preocupações que o altercador traz. Assim, ele não pode provar que a vontade por milhões de reais e por um patrimônio imenso e luxuoso implica em todos esses pecados, porque ele já faz isso pressupondo uma situação em que isso acontece.
Logo, eu posso afirmar com toda a segurança que, enquanto o cristão estiver realmente buscando o reino de Deus em primeiro lugar, inclusive considerando a gestão das suas riquezas debaixo dessa busca espiritual, ele pode tranquilamente orar por milhões de reais, por mansões, carros, jatos e iates. Se o coração do cristão estiver comprometido com o reino de Deus, pode acreditar que ele colocará todos esses bens materiais ao serviço da causa de Deus. Se você acha que isso é impossível, bem, fale por si mesmo, não tente rebaixar todos os eleitos de Deus ao seu nível de suscetibilidade. Por outro lado, combater a confiança em Deus para receber prosperidade muitas vezes significa menos recursos temporais empregados para o avanço do reino de Deus na terra. O reino de Satanás avança sobre a terra porque há bilionários ímpios financiando causas diabólicas pelo mundo todo. Por que não ver com bons olhos o surgimento de bilionários cristãos para fazerem a mesma coisa pelo reino de Deus, financiando missões, obras de caridade bíblicas, adoções e centros de educação bíblica?
Observe o exemplo de Davi, que é raramente mencionado. Quando Natã o confrontou pelo seu pecado com Bate-Seba, ele trouxe à cena toda a prosperidade com que Deus agraciou Davi. Deus o tornou extremamente próspero e poderoso e, ainda mais significativo, Deus disse que daria muito mais se Davi quisesse. Então, Deus não vê nenhum problema em tornar os cristãos ricos e poderosos, tampouco proíbe um cristão já rico de orar por ainda mais riqueza. O pecado de Davi foi cobiçar algo que não lhe era permitido pela lei de Deus, a esposa de outro homem. Mas enquanto Davi desejasse riquezas, honra e poder dentro dos parâmetros da lei de Deus, Deus atenderia suas orações, sem qualquer reprovação.
É aqui que os cessacionistas de linha reformada se encrencam. Eles irão esclarecer que não se opõem a um cristão ficar rico, que não há nada de inerentemente errado na riqueza e na abundância. Dirão que não estão defendendo a pobreza. Mas este é o âmago do problema: para eles, somente é legítimo um cristão ser rico se isso for fruto do seu trabalho, do seu estudo, da sua engenhosidade e da sua argúcia. Eles chamam isso de “mandato cultural”. Para eles, o cristão deve “redimir a cultura” por meio do seu trabalho e da sua inteligência prática, e nisso então ele pode almejar uma posição materialmente confortável. Pela providência de Deus e para a glória de Deus, eles irão enfatizar.
Então, a quê eles se opõem, exatamente? À ideia de que a prosperidade é uma promessa vinculada ao evangelho. Para eles, no momento em que um cristão falar de prosperidade em um contexto de culto ou de oração, e como algo que advém da nossa condição de filhos de Deus, então essa pessoa se torna ambiciosa, presunçosa, e que deseja usar Deus como um meio para um fim. Eles não mencionam prosperidade financeira nos seus sermões, nas suas orações e nos seus louvores — para eles, parece um palavrão. Quando tocam nesse assunto, é apenas para criticar os neopentecostais de terceira onda. Se acontecer, por acidente, de o texto bíblico do sermão contiver uma promessa de prosperidade, suas aplicações são tão cheias de qualificações, tão densas das coisas que o texto não quer dizer — apesar de o texto realmente dizer muitas dessas coisas — que ao final não resta nada além de uma vaga expectativa de que Deus irá “cuidar de nós”, seja lá o que isso signifique no mundo da neblina. Isso para não mencionar as ocasiões em que o texto será relegado apenas para o Antigo Testamento, ou alegorizado para significar um tipo de “prosperidade espiritual”, ou ainda diluído em algum esquema histórico-redentivo que empurrará a aplicação do texto para após a ressurreição.
Eu lidarei com essas fugas ao longo do livro. Aqui, quero apenas pontuar o pecado desses crentes: no fundo, todos os subterfúgios e toda a discrição a respeito desse tema são apenas vergonha. Se uma promessa bíblica se torna estranha demais para ser não apenas mencionada, mas ousadamente declarada com cânticos e orações, então a vergonha tomou conta. Se um cristão tem vergonha das palavras de Jesus, então Jesus também terá vergonha dele diante do Pai. Encobrir as promessas bíblicas de prosperidade é covardia e traição. É também uma arrogância suprema, porque é uma tentativa de ser mais santo do que Deus, de apresentar um padrão de desprendimento e de estoicismo mais elevados do que a lei de Deus. Se Deus não tem problema com um tema ou mesmo com uma palavra, então o que nos dá o direito de sentirmos constrangimento? E note bem, não adianta lançar a culpa nos neopentecostais e alegar que nós podemos ser mal compreendidos por causa deles. É justamente por evitar declarar todo o conselho de Deus a respeito desse tema que os neopentecostais o têm monopolizado. Se os crentes tradicionais houvessem se preocupado em oferecer uma teologia da prosperidade bíblica, coerente, completa e irrefutável, os neopentecostais nunca teriam conseguido explorar esse nicho.
Além disso, perceba o pecado da idolatria, do dualismo metafísico. Eles insistem que a prosperidade não é uma promessa do evangelho, e desviam a atenção para todas as bênçãos espirituais maiores da salvação. Ainda assim, eles insistem que é legítimo e até obrigatório que os cristãos busquem uma condição de vida boa por meio do trabalho e da formação acadêmica. Logo, para eles, a prosperidade é resultado do nosso esforço. Nisso, eles pensam exatamente como os pagãos que Jesus condenou. No entanto, eles tentam neutralizar essa acusação afirmando que eles creem que Deus é quem dá a provisão, causando a eficácia do nosso trabalho. Parece bom, porém, se você pressionar, eles dirão que Deus também nos faz empobrecer, que Deus pode nos lançar na depressão financeira e nos fazer passar necessidade — tudo para a glória dele e para nos ensinar alguma lição. Quer dizer, eles não acham que Deus realmente e infalivelmente tem uma promessa de prosperidade, ainda que vinculada ao nosso esforço. Para eles, se podemos ter prosperidade na vida, a única fonte possível é o nosso esforço, enquanto Deus pode ou não fazer funcionar.
Assim, eles negam o ensino de Jesus de que a prosperidade vem como promessa de Deus como recompensa pela nossa relativa passividade diante do esforço por ganhar dinheiro, enquanto nos engajamos em atividades pelo reino de Deus. A versão cessacionista dessa promessa diz que Deus apenas talvez nos concederá prosperidade se fizermos as mesmas coisas que os pagãos fazem. Logo, se há alguma esperança de prosperidade, ela não está em Deus, e sim no trabalho. Nem sempre eles deixam isso tão explícito, mas algumas vezes sim. Uma certa celebridade reformada disse certa vez “A maior bênção do evangelho é a salvação. Se você quer ficar rico, vá trabalhar”. Em vez de ser aclamado como uma das mentes mais brilhantes e piedosas da cristandade, tal homem deveria ser destituído do ministério por pregar dois deuses. Para ele, nós devemos recorrer a Deus para a salvação e recorrer ao trabalho para ficarmos ricos. Mas colocar o trabalho como uma fonte de riqueza que se sustenta à parte do evangelho, isto é, da aliança graciosa de Deus, é afirmar dualismo.
Concluindo essa exposição, afirmo com toda a força o mesmo que Jesus afirmou: que a prosperidade é uma promessa de Deus que deriva necessariamente da sua onisciência e da sua paternidade sobre nós, sob a condição de buscarmos o seu reino e a sua justiça enquanto não nos engajamos na busca por riqueza pelo nosso esforço. Isso significa que, se alguém nega a prosperidade prometida, logo ele nega que Deus é onisciente e que Deus é o seu Pai. Logicamente, ele nega o próprio Deus e toda a fé bíblica. A prosperidade material e financeira é um presente de Deus para nós garantido pelas mesmas operações espirituais que nos concedem salvação, isto é, a nossa adoção como filhos de Deus e a nossa santificação ao redirecionar o nosso coração para o reino de Deus e não para as ansiedades terrenas. A doutrina da prosperidade está inserida na doutrina da salvação e na doutrina da aliança. A prosperidade é uma das muitas bênçãos garantidas pela graça de Deus por nós. É impossível rejeitar a promessa de prosperidade sem dilacerar toda a promessa de salvação. Portanto, é com muita alegria que eu proclamo que o verdadeiro evangelho é um evangelho de prosperidade — sim, prosperidade espiritual assim como prosperidade financeira. E é correto, bom, louvável e obrigatório pregar sobre a prosperidade, orar por prosperidade, cantar sobre a prosperidade, animar uns aos outros com a promessa de prosperidade e, é claro, agradecer pela prosperidade que é fruto não do nosso esforço, mas da graça infalível do Pai.
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⁶ Foram as feministas soviéticas que instilaram na mulher típica contemporânea a ideia de que o trabalho doméstico é redundante e sem lucro. Veja, por exemplo, A Revolução Sexual e a Revolução Socialista, de Alexandra Kolontai e Clara Zetkin. Cristãs que nutrem esse sentimento pelo trabalho no lar e veem como mais proveitoso o trabalho fora são feministas não assumidas, e rejeitam a declaração de fé que Jesus ensina aqui.
— Poder do Alto