Prosperidade e Expiação

O Senhor Que Te Sara
17 min readMar 29, 2023

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A doutrina da expiação é central na Escritura. Se todo o mundo está debaixo de maldição pelo pecado original, e se Deus decidiu resgatar os seus eleitos por amor, então é necessário que alguém receba a maldição no lugar deles, para que eles sejam restaurados ao estado de bênção. Alguém intocado pelo pecado e pela maldição precisa fazer-se pecado e maldição como substituto dos eleitos. Esse princípio do sacrifício vicário está em toda a Escritura, e ele é determinante para qualquer relacionamento reestabelecido do homem com Deus. Se nós somos por natureza filhos da ira, inteiramente corrompidos e destinados à tortura no fogo do inferno para sempre, então a única maneira de recebermos qualquer bênção de Deus é por meio da expiação realizada por um substituto.

Esse ensino é claro, mas ele costuma ser negligenciado inclusive por aqueles cristãos que mais se gloriam da sua fé “cristocêntrica”. Cristãos ortodoxos celebram a salvação em Cristo, e eles sabem explicar muito bem como o sacrifício de Cristo expiou os nossos pecados e nos tornou justos diante de Deus. Então eles tomam essa dimensão do sacrifício de Cristo — o perdão dos pecados e a declaração de justificação — como fundamento para aplicações psicológicas: dizem, por exemplo, que o nosso valor está no amor de Deus revelado na cruz, de modo que ficamos livres da necessidade de derivar de outras coisas o nosso senso de importância ou a nossa dependência.

Tudo isso é correto e magnífico, mas ainda é uma dimensão reduzida da totalidade de conquistas da expiação. A Escritura apresenta diversos resultados da expiação que permanecem pouco comentados, e às vezes até rejeitados como heresia. Por exemplo, a cura de enfermidades, conforme demonstrei no livro O Senhor que te Sara. A Bíblia diz explicitamente que Jesus tomou sobre si as nossas enfermidades, e que a consequência concreta disso é a recepção de milagres de cura (Mt 8.17), mas isso ainda é desconhecido da maioria dos cristãos. Em realidade, todas as promessas de Deus estão fundamentadas na expiação. Se um conteúdo faz parte das bênçãos prometidas por Deus, então faz parte da conquista do sacrifício de Jesus Cristo. Isso é incontestável.

Assim, se quiséssemos saber se a prosperidade financeira faz parte dos direitos adquiridos pela obra de Jesus, nós só precisaríamos verificar se consta nas promessas de Deus. E ela realmente consta, como já demonstrei em vários textos aqui. Portanto, nenhum texto explícito, como aquele sobre a cura de enfermidades em Isaías 53, seria necessário para provar esse ponto.

Ainda assim, existe de fato um texto claro e inequívoco atestando isso:

Não vos falo na forma de mandamento, mas para provar, pela diligência de outros, a sinceridade do vosso amor; pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos (2Co 8.8–9).

Isso é realmente notável! O texto diz explicitamente que Jesus se fez pobre para que fôssemos ricos. Mais uma vez, é inútil tentar espiritualizar essa riqueza, pois o contexto mostra com clareza que o assunto é riqueza material, provisão física.

Quantas vezes você já ouviu investidas retóricas como “Jesus não morreu na cruz para te deixar rico!”? Mas temos aqui um texto que diz que foi exatamente isso que ele fez. Obviamente, Jesus morreu para nos transformar de muitas maneiras, mas isso inclui a concessão de riquezas materiais. Os teólogos antiprosperidade, no momento em que mais pensam honrar o Salvador, atacam e negam diretamente a sua penosa obra. Assim, eles se tornam culpados de blasfêmia e merecem ser destituídos do ministério e convocados ao arrependimento. Em realidade, a própria negligência de um texto como esse mostra que os teólogos merecem voltar ao banco dos catecúmenos por sua ignorância bíblica e sua desatenção como leitores, ainda que não houvesse blasfêmia.

É claro que seria imprudente deixar a conclusão apenas nisso. Por isso, é importante dizer mais sobre a expiação, sobre o contexto e sobre a relevância dessa doutrina para a prática cristã nesses capítulos de 2Coríntios.

Primeiro, é importante entender como exatamente Jesus se fez pobre. Dificilmente os cristãos entendem o que foi a pobreza de Jesus. De início, devemos observar que Paulo diz “sendo rico, se fez pobre”, isto é, ele Jesus saiu de um estado de riqueza para um de pobreza. O estado de riqueza dele obviamente se refere à glória que ele sempre teve com o Pai. Como Deus, ele era absolutamente rico: “Minha é a prata, meu é o ouro, diz o Senhor dos Exércitos” (Ag 2.8). Assim, quaisquer que tenham sido as condições econômicas de Jesus durante o seu tempo na terra, podem ser consideradas como pobreza em comparação com a sua glória anterior. Logo, apenas dizer que Jesus se fez pobre não nos indica quão pobre humanamente falando ele foi. Mas isso nós descobrimos ao ler os evangelhos.

É claro que as circunstâncias do nascimento de Jesus foram precárias, e não há como ver um presépio de Natal sem pensar nisso. Isso por si só não indica se a família de Jesus era pobre — afinal, foi toda uma conjuntura desfavorável porque, no momento em que Maria estava no fim da gravidez, o imperador ordenou um recenseamento que exigiria uma peregrinação. O nascimento humilde de Jesus, demonstrado até mesmo por ter nascido na menor das cidades (Mq 5.2), ilustra o tipo de Rei que ele seria: um Rei que perde tudo para salvar o seu povo. Logo depois, encontramos uma evidência de que os pais de Jesus eram relativamente pobres, pela oferta que apresentaram ao fazer o resgate do primogênito (Lc 2.24).

O Jesus adulto, por outro lado, parece ter melhorado suas condições. Você pode achar que não, porque ele diz “o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8.20). Mas isso se refere não à sua pobreza, e sim à natureza itinerante do seu ministério. Ele não tinha residência fixa, mas tinha muitos anfitriões pela terra. Então, a sua declaração diz respeito ao desconforto de depender da hospitalidade dos outros e de estar sempre viajando, mas não significa que ele era desprovido de recursos. Quanto a estes, sabemos que várias mulheres ricas patrocinavam o seu ministério (Lc 8.2–3), que os seus discípulos levavam um cofre, que o dinheiro ganho sobrava para fazer caridade, e sobrava até mesmo para que Judas conseguisse roubar uma parte sem que ninguém desse pela falta (Jo 12.6). Além disso, Jesus garantia a provisão por milagre várias vezes, como quando multiplicou alimentos até sobejar e quando mandou Pedro pescar e retirar o dinheiro do imposto de dentro do peixe. Logo, aparentemente, Jesus e os seus discípulos estavam em condições econômicas melhores do que as multidões que os seguiam.

Assim, Jesus cumpriu toda a parte que lhe cabia quanto às promessas de prosperidade: como homem justo e cheio do Espírito Santo, ele usufruiu de prosperidade terrena, ao mesmo tempo em que, como o Messias enviado por Deus para tomar sobre si a maldição da lei que nos era devida, experimentou também a pobreza e a miséria quando abandonou sua glória celestial para fazer-se homem. E, no momento em que o seu sofrimento vicário começou a se cumprir, ele perdeu totalmente a sua prosperidade terrena, ao ponto de ser pendurado nu na cruz, observando os soldados sortearem as suas vestes valiosas (Jo 19.23–24). No instante climático da sua missão de expiação, Jesus de fato sofreu a plena maldição, em absoluta miséria e abandono, para que a bênção da prosperidade prometida ao homem justo pudesse ser nossa, uma vez justificados pelo seu sacrifício.

Muitos cristãos apelam à vida de Jesus como um exemplo a ser seguido inclusive pela ausência de prosperidade. Eles dizem, “Se Jesus, o único homem realmente justo, foi pobre e sofreu, o que o faz pensar que Deus quer que você tenha dinheiro na conta?”. Mas Jesus de fato tinha dinheiro na conta também. E é claro que ele sofreu, e ele prometeu que os seus discípulos seriam perseguidos, mas perseguição e prosperidade não são mutuamente antitéticas, como mostrarei posteriormente. Além disso, grande parte do que Jesus sofreu foi como nosso substituto: ele recebeu a maldição da lei para que a bênção pudesse ser nossa. Ele carregou as nossas enfermidades e as nossas dores justamente para que elas não fossem mais o nosso fardo. Então, é necessário ter cuidado na leitura e avaliar bem as frases de efeito que tomem Jesus como um exemplo. Ele é certamente o nosso exemplo em caráter, determinação, retidão, sabedoria e disposição de ser perseguido, porém nem tudo o que ele passou necessariamente deve ser copiado por nós, do contrário ele seria apenas mais um de nós, e não um redentor inigualável.

Agora, vamos entender o contexto em que os versículos estão inseridos. A terceira viagem missionária de Paulo foi empreendida principalmente para os destinos em que já havia igrejas fundadas nas viagens anteriores, e um dos objetivos principais dessa viagem era arrecadar doações para a igreja de Jerusalém, a qual já estava sofrendo os efeitos da fome profetizada por Ágabo (At 11.28). Essa fome fez parte dos sinais de que o fim de Jerusalém estava próximo, de que a cidade santa encontraria sua punição definitiva em poucos anos (Mt 24.7; Ap 6.6). Assim, os cristãos em Jerusalém estavam vivendo em um contexto social e econômico de maldição de Deus. No entanto, sendo parte do verdadeiro Israel espiritual de Deus, estavam intitulados às bênçãos conquistadas por Cristo. Por isso, Paulo fez uma jornada de grandes proporções a fim de prover socorro para essa igreja, que já se enumerava em milhares de membros (At 21.20).

Muitas das epístolas de Paulo fazem referência a essa oferta, incluindo 1Coríntios (16.1–4), escrita pouco antes de 2Coríntios. Nos capítulos 8 e 9 de 2Coríntios, Paulo fala mais a respeito do assunto, incentivando os coríntios a levantarem esses recursos por amor aos seus irmãos em Jerusalém. Há diversas afirmações instrutivas sobre a realização da promessa de prosperidade nessa ação de socorro.

Primeiro, Paulo aplica a certeza da prosperidade ao doador e ao beneficiário. É evidente que aqueles que receberiam o dinheiro estariam desfrutando da prosperidade material prometida por Deus, em que suas necessidades seriam aliviadas. Em comparação com a penúria sofrida pelos seus compatriotas descrentes, aquele sustento material era significativo, e podemos chamar de prosperidade sem erro. Mas a ênfase de Paulo nesse apelo aos coríntios é que Deus concederia prosperidade a eles, os que estavam “perdendo” dinheiro. Como suporte, ele cita o exemplo dos macedônios, os quais tanto se empenharam por ajudar que deram além das suas posses. A pobreza deles foi tornada em riqueza na generosidade (8.1–7). Deus fez com que cristãos pobres conseguissem doar em riqueza, e isso só é possível se a promessa sobrenatural de prosperidade se cumprir para os doadores, do contrário eles não teriam nada para doar. E Paulo deixa claro que mesmo os doadores pobres não foram “saqueados” para possibilitar essa doação, assim como também os coríntios não precisariam dar além do que poderiam (8.11–15). E repete depois que Deus os tornaria ricos para que pudessem mais ainda exercer a generosidade (9.10–15). Como texto-prova, cita o Salmo 112.9, que diz “Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre”, um salmo que fala do homem que teme ao Senhor e em cuja casa “há prosperidade e riqueza”, como vimos acima. A generosidade bíblica não diminui a prosperidade do cristão, antes a pressupõe firme.

Assim, todos aqueles que creem em Cristo e na prosperidade garantida pelo seu sacrifício desfrutam dessa bênção, estejam eles na posição de receber ou de prover socorro.

Segundo, é notável que Paulo cite o texto “O que muito colheu não teve demais; e o que pouco, não teve falta” (Ex 16.18) no seu argumento. Essa passagem fala sobre o maná, o pão que Deus fez cair do céu para os israelitas no deserto. Deus garantiu que o pão fosse distribuído de tal modo que não houve desperdício para quem colheu muito e não houve falta para quem colheu pouco. Isso indica a característica milagrosa da provisão de Deus e ressalta a verdade de que é Deus quem faz a “contabilidade” fechar. A oferta que Paulo estava buscando dos coríntios para os cristãos de Jerusalém era algo tão diretamente dependente do poder de Deus quanto o próprio pão dos anjos. Por essa razão, haveria êxito para todos. Nenhum dos lados sairia prejudicado. Isso coloca um desafio para os cristãos: quando eles usam o seu dinheiro da maneira como agrada a Deus, ainda que em um nível humano pareça ser uma perda, eles devem permanecer confiantes de que Deus continuará provendo.

Terceiro, Paulo menciona a doutrina da expiação como o fundamento do apelo ao exercício de amor caritativo. Ele diz que Cristo se fez pobre para que fôssemos ricos, e que esse movimento de amor sacrificial deve ser imitado. Se somos recebedores da graça de Jesus, devemos também ser praticantes dessa mesma graça para com os nossos irmãos.

Eu mencionei acima que a aplicação da obra de Cristo como um exemplo a ser seguido, e não como algo que ele fez exclusivamente em nosso lugar, deve ser delineada com atenção para não confundirmos o seu aspecto de modelo a ser imitado com o aspecto da singularidade da sua missão salvadora. Jesus Cristo tomou sobre si a nossa pobreza para que, por meio dela, fôssemos ricos. Somente Jesus poderia tomar sobre si a maldição da lei no nosso lugar para que pudéssemos receber a bênção. Mas nós devemos imitar a conduta de Cristo no exercício de amor — nós também devemos estar dispostos a sofrer perdas para o benefício dos outros. “Aquele que diz estar nele deve também andar como ele andou” (1Jo 2.6). Logo, devemos usar nossos recursos para socorrer os irmãos em necessidade. A nossa prosperidade não nos pertence para dispormos dela como bem entendermos, mas deve ser administrada em conformidade com a lei de Deus e com o exemplo de Cristo. Isso significa que a expiação de Cristo não apenas nos traz para o reino de Deus em que há prosperidade, mas também é a base pela qual adequamos a nossa vida às regras desse reino. É a realidade da justificação e da santificação aplicada na questão das riquezas materiais: uma vez justificados pela fé em Cristo, recebemos o direito às promessas de prosperidade que Deus declarou ao homem justo; como escravos da justiça, obedecemos ao que Deus determinou com relação à gestão dessa riqueza. As duas coisas estão enraizadas na expiação de Cristo.

É verdade que muitos teólogos da prosperidade exploram a cobiça dos ouvintes para ganhar dinheiro. Eles enfatizam a promessa da prosperidade, mas apenas para o usufruto dos ouvintes e para o seu próprio, quando recebem os seus dízimos e ofertas. Como consequência, incontáveis cristãos são convencidos de sua própria espiritualidade ao se emocionarem com a ideia de ganhar riquezas de Deus enquanto permanecem endurecidos contra as necessidades dos seus irmãos. Tais pessoas não conhecem o evangelho, mas apenas usam Deus para a sua própria cobiça enquanto dizem a si mesmos que são convertidos. A Bíblia é clara: quem não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar Deus, a quem não vê (1Jo 4.20). Pessoas assim não são cristãs e não representam a verdade da Palavra de Deus sobre o assunto.

Os críticos, geralmente tradicionais e cessacionistas, não são melhores, porque eles negam a própria base da prosperidade com a qual a Escritura nos ordena a abençoar os irmãos. Eles negam que a prosperidade é uma promessa, negam que o sacrifício de Cristo nos deu acesso a esse benefício e repugnam qualquer associação entre a fé em Deus e a recepção de riquezas materiais. Então eles podem pregar sobre a caridade e sobre a importância de socorrer uns aos outros, mas como? Com que dinheiro eles farão isso, e com qual salvaguarda? Afinal, se a prosperidade financeira não está ancorada em Deus, então de onde ela vem? Do esforço e da competência dos homens? Mas nós não podemos nem tornar um fio de cabelo nosso branco ou preto. Se não podemos contar com Deus para sermos prósperos, então não podemos ser prósperos de maneira nenhuma. Claro, eles afirmam uma noção bastante vaga de que “Deus provê”. Mas se isso não está alicerçado na aliança de Deus por meio de Cristo, então nunca há certeza de que Deus proverá mesmo. Eles nunca poderão ter a segurança que Paulo deseja instilar nos leitores aqui de que Deus irá infalivelmente suprir os doadores com os recursos de que precisam para si mesmos e para o socorro de outros.

Pior, eles nunca poderão fornecer uma base sólida para a esperança dos necessitados. Quando irmãos passam por dificuldades, mesmo por situações de grande pobreza, eles só podem oferecer o socorro dos homens, e não o de Deus. Mas quem espera nos homens será frustrado. Eles pensam que é “falsa esperança” dizer ao irmão pobre que Deus irá fazê-lo prosperar, mesmo tendo sido exatamente isso que Deus prometeu na Escritura. Logo, pelo próprio padrão deles, quando eles oferecem socorro, é um socorro que vem deles, e não de Deus. E se a promessa de Deus é uma “falsa esperança”, então o socorro deles que não está embasado na fé na promessa de Deus é para eles a “verdadeira” esperança. Eles usurpam o lugar de Deus, e suas “boas obras” se tornam abomináveis diante de Deus.

Logo, a abordagem correta sobre o assunto é declarar que Deus de fato nos garantiu a promessa de prosperidade financeira, e que Jesus realmente sofreu e morreu para nos tornar ricos, portanto, devemos assistir às necessidades uns dos outros com confiança em que Deus, enquanto utiliza a nossa ação como instrumento de bênção, irá nos fazer prosperar ao darmos e ao recebermos. Uma criança entende isso, mas os escribas conseguem lançar tudo em confusão.

Quarto, Paulo mostra assim qual é a maneira correta de ensinar sobre prosperidade. Ele não se envergonha, mas afirma abertamente que Deus de fato nos torna materialmente ricos por causa de Jesus, ao mesmo tempo em que urge os cristãos a se tranquilizarem nessa promessa enquanto exercem amor sacrificial uns pelos outros. Prosperidade é tanto uma dádiva quanto uma responsabilidade. Agora, ainda mais do que isso, Paulo prova pelo seu próprio exemplo o que é um pastor realmente dedicado a cuidar das suas ovelhas. Ele faz viagens, escreve para as igrejas, enfrenta perigos e perseguições, tudo para prover recursos a uma igreja necessitada. Ele se desgasta sobremaneira para que o povo de Deus receba socorro.

Compare isso com a situação dos judeus que viviam sob a liderança oficial de Jerusalém: E, ao ensinar, dizia ele:

Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestes talares e das saudações nas praças; e das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos primeiros lugares nos banquetes; os quais devoram as casas das viúvas e, para o justificar, fazem longas orações; estes sofrerão juízo muito mais severo. Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como o povo lançava ali o dinheiro. Ora, muitos ricos depositavam grandes quantias. Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas correspondentes a um quadrante. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento (Mc 12.38–44).

É impressionante que tantos pregadores pensem que a lição desse texto é “seja como a viúva”. Não, Jesus não está dizendo que devemos dar tudo a Deus como a viúva deu, e sim que a viúva sofreu uma perda muito maior do que os ricos que davam ofertas maiores. Ele não descreveu a situação com admiração, mas com indignação. Uma viúva que dá a última moeda do seu sustento para um templo imenso e recoberto de ouro é uma figura horrenda, não romântica. Ela não é uma heroína, e sim uma vítima. Ela deveria ser receber ofertas, e não as dar. A lei de Deus prescreve que as viúvas recebam dízimos e outros modos de caridade. Em vez disso, os escribas “devoravam as casas das viúvas” e faziam longas orações para disfarçar a sua impiedade. Esses eram os pastores de Jerusalém. Os pregadores que não percebem que esse é o sentido do texto não estão qualificados para ensinar.

Depois, em João 9 e 10, encontramos Jesus manifestando compaixão a um cego, curando-o da sua enfermidade e deixando-o ir em paz. Em contraste, os líderes da sinagoga importunaram o cego até a exaustão com perguntas, insultos, imprecações e até com a expulsão. Até mesmo os pais do cego foram covardes e o desampararam diante da inquisição dos judeus. Depois, Jesus conta a parábola do bom pastor, que dá a vida pelas ovelhas, e declara que aqueles líderes judeus não eram legítimos pastores, e sim mercenários, que supervisionavam as ovelhas apenas para receber pagamento, mas nunca se arriscariam por elas. E mesmo no início do seu ministério, Jesus percebeu que as multidões que o seguiam eram como ovelhas que não tinham pastor.

Você pode então perceber como a prosperidade que pertence ao domínio desse bom pastor fez diferença na vida daqueles crentes de Jerusalém. Após tantos anos oprimidos pelas autoridades religiosas cheias de ganância e egoísmo, encontram Jesus Cristo, o verdadeiro pastor que é fiel à sua promessa de prover e cuidar. Paulo é um excelente imitador de Cristo e deseja que toda a igreja seja tomada por esse mesmo espírito de amor e sacrifício. Por isso, é inadmissível que haja pessoas desamparadas financeiramente dentro das igrejas. Lá, elas podem aprender a confiar nas promessas de prosperidade de Deus e recebê-las das mãos dos seus irmãos, concretamente: “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade” (1Jo 3.17–18). Se Paulo fez todo esse empreendimento e conseguiu envolver toda a cristandade nessa obra, como alguém de vida estável poderia hoje se eximir dessa responsabilidade, alegando ser muito difícil?

Quinto, Paulo faz uma aplicação da lei da semeadura:

E isto afirmo: aquele que semeia pouco pouco também ceifará; e o que semeia com fartura com abundância também ceifará. Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria. Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra, como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres, a sua justiça permanece para sempre. Ora, aquele que dá semente ao que semeia e pão para alimento também suprirá e aumentará a vossa sementeira e multiplicará os frutos da vossa justiça, enriquecendo-vos, em tudo, para toda generosidade, a qual faz que, por nosso intermédio, sejam tributadas graças a Deus (2Co 9.6–11).

Primeiramente, devo ressaltar que essa ordenança do versículo 7 não é um substituto para o dízimo. Muitos cristãos pensam que a lei do dízimo foi substituída pela lei da sinceridade no coração. Porém, esse texto não se refere ao dízimo, e sim a uma oferta vultuosa para uma situação de emergência. Mesmo no Antigo Testamento, o dízimo não era a única lei relacionada à caridade. Assim, a regra da caridade que Paulo expõe aqui em nada prejudica a validade da lei do dízimo. São dois tipos distintos de provisão para os pobres.

O primeiro versículo costuma ser utilizado por pregadores neopentecostais para provar uma correlação direta entre dar e receber: quanto mais dinheiro você dá para a igreja, mais dinheiro Deus lhe dará de volta. Mas essa simplificação irresponsável é desmentida pelo versículo seguinte: “Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade”. Assim, não é uma mera questão de quantidade. Além disso, Paulo quer que os coríntios confiem na prosperidade de Deus para poderem dar dinheiro, que é exatamente o inverso de dar dinheiro para receberem prosperidade. E, o que é mais importante, Paulo quer que os coríntios deem dinheiro visando ao bem do próximo, e não à bênção para si mesmos. Novamente, fica demonstrado o terrível erro de muitos teólogos da prosperidade, os quais exploram o impulso ganancioso do povo para avançar o seu programa.

Pelo contexto, fica claro que “semear” diz respeito à contribuição, e o “pouco” ou “muito” depende da possibilidade e da sinceridade de cada um, não simplesmente à quantidade de dinheiro. Mas é Deus quem “dá a semente” e “aumentará a vossa sementeira”, logo a expansão da prosperidade é a causa, e não a consequência, da contribuição. E o “ceifar” diz respeito ao resultado da contribuição, e isso não necessariamente se reduz ao benefício do doador. Paulo tem em vista algo muito maior do que uma mera correlação monetária: ele coloca a contribuição sob a categoria de “toda boa obra” e “os frutos da vossa justiça”, mostrando que todo esse apelo precisa ser entendido em uma relação de obediência a Deus e de promoção do seu reino. Além disso, perceba como, nos versículos 12 a 15, Paulo amplia a nossa visão com respeito ao resultado da contribuição: os cristãos de Jerusalém recebem socorro e rendem graças e louvor a Deus pela contribuição dos coríntios, alegram-se pela salvação e retornam com orações em favor deles. Logo, por causa da ação de socorro dos coríntios em favor dos cristãos de Jerusalém, Deus é glorificado, orações são feitas, os laços de irmandade se estreitam e toda a igreja cresce em amor, unidade e louvor a Deus. Isso é a “ceifa”! Pensando desse modo, quem gostaria de “ceifar pouco”?

Concluindo, Jesus morreu na cruz para nos dar acesso a todas as bênçãos da sua aliança, incluindo a bênção da prosperidade. E, por meio dessa mesma prosperidade, ele abençoa a sua igreja nas diversas transações de caridade e socorro. Tudo isso expressa o amor dele pelo seu povo e a reconciliação entre Deus e os homens e entre homens e homens, a qual ele comprou com o seu sangue. Quando os cristãos eliminam a prosperidade financeira do evangelho, eles desferem um ataque não apenas à obra de redenção, mas também à obra de santificação corporativa e ao exercício do amor fraterno.

— Poder do Alto

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O Senhor Que Te Sara
O Senhor Que Te Sara

Written by O Senhor Que Te Sara

“Eu sou o SENHOR que te sara” (Êxodo 15:26). Despertando sua fé para o sobrenatural de Deus. Refutando o cessacionismo e outras doutrinas do incredulismo.

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