O Deus Que Estraga Velórios

A Esquecida Oração pela Ressurreição dos Mortos

O Senhor Que Te Sara
47 min readMar 2, 2023
Detalhe de “Saint Peter raises Tabitha”, de Fabrizio Santafede.

Introdução

Você conhece esta história de perto: um cristão está no hospital com alguma doença grave. Toda a família e os irmãos da igreja estão orando pela cura. Conforme a enfermidade avança e os médicos apresentam relatórios mais pessimistas, as orações se intensificam e viram campanhas fervorosas. Dependendo da fama do cristão, várias igrejas podem se envolver nisso. Até que, não muito depois, sai a notícia do óbito. Os cristãos sentem o impacto do seu clamor frustrado, olham sem foco para o chão, derramam lágrimas e… todas as petições cessam. Agora, a oração é pelo conforto dos enlutados. Nada mais a fazer pelo falecido, exceto extrair forças da Palavra de Deus para alegrar-se pelo destino bem-aventurado daquele que cruzou os portões celestiais do paraíso. Esse é o procedimento padrão.

A falha nesse procedimento é a premissa de que a ação milagrosa de Deus só pode se realizar enquanto houver vida. Se não houve cura e o desfecho foi a última expiração, então é o fim. A interpretação do evento gira para o sentido oposto. Se antes queríamos a pessoa amada junto a nós, agora temos de nos felicitar por ela haver partido para sempre. Se antes clamávamos pela cura, agora, sob muito esforço, convencemo-nos a agradecer pela morte. Se era uma boa ideia que o ente permanecesse vivo, agora o bom mesmo é que ele tenha sido levado por Deus para o céu. O que pode justificar essa alteração radical no modo de pensar? O mero acontecimento da morte. O que significa que a morte é, no fim das contas, o determinante da expressão cristã.

A pergunta é: a Escritura justifica esse modo de proceder? É a fatualidade da morte que parametriza as nossas orações, esperanças e agradecimentos? Ou ainda há espaço para a ação divina após o óbito?

O meu livro O Senhor que te Sara já responde a essas perguntas. Eu lidei com a questão dos milagres de ressurreição por lá, de modo que quem apreende bem o conteúdo desse primeiro livro não precisa de elaborações ulteriores. Não obstante, decidi escrever este pequeno livro para chamar atenção para o assunto com mais incisividade, porque as orações pela ressurreição são sistematicamente ignoradas e a perspectiva sobre o luto e o velório encontra-se corrompida em um nível muito mais profundo do que a respeito da cura de doenças em geral. O fato de que o luto é uma experiência muito mais dolorosa do que uma doença em vida contribui para uma piora na cegueira espiritual, uma vez que mesmo os cristãos são geralmente bastante medíocres no seu esforço de colocar a teologia acima dos sentimentos.

Se você já experimentou essa dor ou está compartilhando do luto de irmãos queridos, entenda que não é minha intenção tripudiar ou fazer pouco caso. Ao contrário, é precisamente porque a morte prematura é uma dor tão lancinante na alma que é urgente declarar que Jesus veio fazer algo para resolver isso. No entanto, a verdade bíblica frequentemente repreende a nossa incredulidade e inação nas áreas mais sofridas da vida, e você precisa estar pronto para isso. Esse é o único modo de exercer a fé correta, sem a qual é impossível agradar a Deus.

O Deus da Vida

O Deus que se revela na Escritura é um Deus de vida. Toda a Escritura testemunha que vida é a essência de Deus:

Mas o Senhor é verdadeiramente Deus; ele é o Deus vivo e o Rei eterno; do seu furor treme a terra, e as nações não podem suportar a sua indignação (Jr 10.10).

Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.16).

A vida estava nele e a vida era a luz dos homens (Jo 1.4).

Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo (Jo 5.26).

Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá (Jo 6.57).

Para Moisés, Deus revelou que o seu nome é “Eu Sou” (Ex 3.14). Deus é o Ser original, autoexistente e eterno. Dentre outras coisas, isso significa que Deus é a Vida original, sem a qual nada mais pode viver:

Mas eles se prostraram sobre o seu rosto e disseram: Ó Deus, Autor e Conservador de toda a vida, acaso, por pecar um só homem, indignar-te-ás contra toda esta congregação? (Nm 16.22)

O Senhor, autor e conservador de toda vida, ponha um homem sobre esta congregação... (Nm 27.16).

Senhor, por estas disposições tuas vivem os homens, e inteiramente delas depende o meu espírito; portanto, restaura-me a saúde e faze-me viver (Is 38.16).

Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais... pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos (At 17.25, 28).

Além disto, tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e os olhávamos com respeito; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, e viveremos? (Hb 12.9)

Consequentemente, a essência da morte é a alienação de Deus. Tudo o que o Espírito de Deus toca vem a viver, porém tudo aquilo de que Deus retira o seu poder vivificante morre (Gn 6.3; Ez 37.9; 47.9-11). A sentença de morte para o pecado de Adão e Eva foi não apenas a morte física após alguns anos, mas a morte espiritual de suas almas no pecado; a morte existencial de uma vida física zumbificada e amaldiçoada; e a morte eterna no fogo do inferno.

É de todas essas mortes que Deus nos liberta quando nos vivifica em Jesus Cristo:

Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão (Jo 5.24-25).

O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10.10).

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 6.23).

Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte (Rm 8.2).

Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita (Rm 8.11).

Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados... e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus (Ef 2.1,5,6).

Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então, vós também sereis manifestados com ele, em glória (Cl 3.4).

Sem Deus, o homem está morto em todos os sentidos. Pela graça de Deus, ele recebe vida transbordante em todas as suas dimensões. Recebemos vida espiritual e eterna; recebemos também uma vida física repleta de bênçãos, alegrias e vitórias; estaremos vivos com Deus no paraíso para todo sempre, na alma e no corpo.

Observe como Jesus ensina os saduceus:

Então, lhes acrescentou Jesus: Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento; mas os que são havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos não casam, nem se dão em casamento. Pois não podem mais morrer, porque são iguais aos anjos e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição. E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos; porque para ele todos vivem (Lc 20.34-38).

Se Deus é um Deus de vida, então todos os que estão em aliança com ele também estão vivos. Os patriarcas experimentaram uma longa e abençoada vida em corpo. Suas almas entraram no céu, onde estão com Deus em perfeita alegria e consciência. No último dia, Deus irá ressuscitá- los fisicamente. Perceba que Jesus usou o fato de eles estarem vivos em alma no céu como a prova de sua ressurreição corporal. Como esse argumento funciona? Será que Deus não poderia apenas considerar os patriarcas vivos para ele enquanto estão no céu, e deixá-los nesse estado para sempre, sem ressurreição física? Mas quando Jesus diz que “Deus não é de mortos, mas de vivos, porque para ele todos vivem”, ele une todas as dimensões da vida no relacionamento com Deus. Se há vida espiritual, haverá vida física na ressurreição. Deus não dá vida pela metade. Deus não interrompe a sua ação salvadora vivificante. Deus faz os eleitos viverem em todos os sentidos necessariamente.

Assim, por conseguinte, a vitória de Jesus conta Satanás, a pregação do evangelho e o avanço do reino de Deus também são descritos sob a perspectiva de vida X morte:

Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma de vida para vida (2Co 2.16).

Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida (Hb 2.14–15).

Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz (Rm 8.6).

O selo do Espírito Santo e a sua ação sobrenatural são descritos como um fluir da água da vida:

Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado (Jo 7.38–39).

…não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo (Tt 3.5).

Então, me mostrou o rio da água da vida, brilhante como cristal, que sai do trono de Deus e do Cordeiro… O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida (Ap 22.1, 17).

Em uma atmosfera teológica na qual a vida cristã é tão associada a sofrimento, angústia, tristezas e perdas, devemos enfatizar quão intensamente a Escritura nos promete vida abundante hoje e no futuro, no corpo e na alma, no interior e nas circunstâncias exteriores. Um temperamento mórbido, deprimido, pessimista e sem energia não combina com a experiência de estarmos unidos ao Autor da vida. Racionalizações teológicas para abraçar qualquer dimensão da morte são suspeitas pelo padrão da Escritura. Jesus Cristo já tomou sobre si a morte que nos era devida. Ele foi um “homem de dores”, porque ele tomou as nossas dores sobre si, não para que permanecêssemos doridos. Na sua morte, ele matou o nosso velho homem, mas hoje é a vida dele que nos anima e nos leva às alturas celestiais desde agora.

A relevância dessa breve reflexão para o nosso tema é que devemos ver a morte de um cristão como anormal. Se um cristão manifesta os efeitos da morte no seu coração, no seu bem-estar, devemos levar a vida da esperança da glória. Se um cristão comete pecado, devemos orar por ele, para que Deus lhe dê vida (1Jo 5.16). Se um cristão sofre uma enfermidade ou um ferimento, devemos transmitir vida ao seu corpo por meio da oração e da cura milagrosa (Tg 5.15). Do mesmo modo, se um cristão morrer fisicamente, nosso alvo será a sua ressurreição. Ao contrário do que os mundanos dizem, a morte não é natural, não é “parte da vida”. Pode ser para eles, porque eles já estão mortos desde o dia em que nasceram. Para nós cristãos, é o poder da vida de Deus, da vida imortal e indestrutível de Jesus (Rm 6.9; Hb 7.16), que define o curso da nossa existência e o nosso combate contra esse inimigo que terminará de ser aniquilado no último dia, quando o Senhor retornar (1Co 15.26,54,55).

O Pacto Contra a Morte Prematura

Tais ponderações nos levam a questionar como um cristão deve morrer, se é que ele deve morrer. É um fato que, após o pecado de Adão e o exílio do Éden, todo ser humano ficou sujeito à morte, pois, pelo pecado de um, a morte entrou no mundo (Rm 5.12). Mesmo aqueles que são redimidos têm um curso de vida limitado e chegam a morrer após alguns anos:

Tu os arrastas na torrente, são como um sono, como a relva que floresce de madrugada; de madrugada, viceja e floresce; à tarde, murcha e seca (Sl 90.5-6).

Porque somos estranhos diante de ti e peregrinos como todos os nossos pais; como a sombra são os nossos dias sobre a terra, e não temos permanência (1Cr 29.15).

Pois toda carne é como a erva, e toda a sua glória, como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor (1Pe 1.24).

Segundo o que consta no registro bíblico, somente dois homens não experimentaram a morte: Enoque (Gn 5.24) e Elias (2Rs 2.11). Por isso, eu disse acima “se é que ele deve morrer”. Não há nenhum princípio bíblico que necessariamente limite essa experiência a apenas esses dois cristãos. O arrebatamento em vida pode acontecer a qualquer um de nós, e a nossa apreensão do sobrenatural precisa comportar essa possibilidade. No entanto, a regra comum é a morte, e esses dois arrebatamentos são consistentes com a limitação que Deus impôs ao nosso tempo nesta existência terrena.

Qual é esse limite? Muitos cristãos leem Gênesis 6.3 e entendem que Deus limitou os anos de vida a 120. Notavelmente, a expectativa de vida após o dilúvio foi reduzindo paulatinamente a cada geração até Moisés, que morreu com exatos 120 anos. No entanto, vários séculos depois, lemos que o tutor do rei Joás, o sacerdote Joiada, morreu com 130 anos (2Cr 24.16). A explicação padrão é que os 120 anos seriam uma aproximação, e que pode haver exceções que ultrapassem em pouco. Por outro lado, a interpretação de que esses 120 anos do homem referem-se à contagem regressiva desde essa sentença até o dilúvio flui melhor, porque se adequa ao contexto imediato e não requer que acomodemos exceções ou aproximações.

No Salmo 90, Moisés nos informa a expectativa de vida comum do seu tempo:

Os dias da nossa vida sobem a setenta anos ou, em havendo vigor, a oitenta; neste caso, o melhor deles é canseira e enfado, porque tudo passa rapidamente, e nós voamos (Sl 90.10).

A declaração de Moisés funciona como um parâmetro bíblico de expectativa de vida, não como um teto inflexível, mas como um fundamento da estimativa de uma vida comum. No seu livro Christ the Healer, o autor F. F. Bosworth coloca essa idade entre 70 e 80 anos como a expectativa de vida normal para os cristãos, com o objetivo de defender a necessidade da ministração da cura bíblica para aqueles que correm risco de morte antes disso. Porém, é importante observar que Moisés afirma que essas pessoas que atingem essa idade estão “debaixo da tua ira” (v. 9), e que Deus expôs as “nossas iniquidades”. Assim, o salmo coloca os ímpios sob esse teto. Não por acaso, Moisés alcançou os 120 anos, Arão os 123 (embora ele não tenha sido exemplar, estava sob a bênção de Deus em razão da vocação sacerdotal), Josué os 110 e Calebe ainda estava cheio de vigor aos 85. Todos esses ultrapassaram a marca dos 80 anos. Logo, podemos esperar que um cristão não tenha dificuldade de atingir os 100 anos. Os 70 ou 80 anos devem ser o nosso piso, não o teto.

Mas como podemos dizer que alguém morreu cedo demais? Afinal, não é Deus quem determina o tempo de cada pessoa? Não é Deus quem decide o momento de levar alguém para o céu? Sim, no sentido básico de que Deus é quem causa todas as coisas. Mas, assim como ele endurece o coração dos réprobos para lançá-los no inferno enquanto comanda todos os homens a crerem em Jesus, ele também fez promessas a respeito da expectativa de vida e ordena que todos nós abracemos essas promessas, enquanto causa muitos a não as receberem e a morrerem jovens como consequência.

Servireis ao Senhor, vosso Deus, e ele abençoará o vosso pão e a vossa água; e tirará do vosso meio as enfermidades. Na tua terra, não haverá mulher que aborte, nem estéril; completarei o número dos teus dias (Ex 23.25-26).

Em Êxodo, no contexto do estabelecimento da sua aliança, Deus diz “completarei o número dos teus dias”. Ele não irá permitir que alguém morra antes de haver completado os dias, e nós vimos que uma vida comum dura até 70 ou 80 anos, e isso para os ímpios. Antes disso, os dias são certamente insuficientes.

Há diversas eventualidades que podem resultar em morte no decorrer desse processo, e Deus promete removê-las. Ele diz “abençoarei o vosso pão e a vossa água”, logo Deus não permitirá mortes por fome, por envenenamento ou intoxicação. Quantas pessoas morrem por serem pobres e terem de comer lixo, comida estragada ou beber água suja? Deus resolverá esse problema dando alimentos em fartura e em qualidade. Ele também diz “tirarei as enfermidades do vosso meio”. Doenças, contaminações, condições genéticas que abreviam o tempo de vida (como a Síndrome de Down) — Deus acabará com tudo isso, infundindo a cura e a imunidade. Ele diz ainda “Não haverá mulher que aborte nem estéril”. Ninguém morrerá no ventre. Ninguém morrerá ainda bebê. Toda vida concebida de fato nascerá, e nascerá saudável. Uma pessoa que está protegida em todas essas áreas irá completar os seus dias.

Ainda em Êxodo 23, Deus enfatiza a vitória dos israelitas contra os seus inimigos na guerra (vs. 27-31). Se os pagãos fugirem apavorados da incursão do povo de Deus na terra prometida, e se os futuros vizinhos de Israel não conseguirem vencê-los, então a vida dos indivíduos cristãos também ficará protegida contra a interrupção prematura. Violência e guerra também são fatores que impedem as pessoas de atingirem a velhice. Deus promete do mesmo modo proteger os israelitas nesse sentido.

O Salmo 91 é uma declaração veemente de todas essas proteções envolvendo cada indivíduo. Não é sobre o “povo” em geral, e sim sobre cada pessoa em particular. Um cristão pode observar todas as desgraças acontecendo ao redor a todos aqueles que ele conhece e não se apavorar, porque ele permanecerá ileso (v. 7). Nesse salmo, a conclusão é “Saciá-lo-ei com longevidade e lhe mostrarei a minha salvação” (v. 16). O cristão que faz de Deus o seu refúgio e se apega a ele em amor experimentará a proteção total de Deus cercando-o por toda a sua longa vida. Não haverá morte por doenças (vs. 3,6,10), nem por violência (v. 5), nem por acidentes (v. 12). Como também diz o Salmo 103, ele traz de volta a nossa vida mesmo quando estamos prestes a morrer e nos leva à idade avançada com fartura de bens, coroados de graça e glória (Sl 103.3-5). Ele nos faz ver os nossos netos (Sl 128.6).

Os cristãos dificilmente rejeitam os salmos como se pertencessem apenas ao Israel do Antigo Testamento, porém reinterpretam todas essas promessas como se fossem aplicáveis apenas de um modo geral, ou inserindo algum qualificador “espiritual” que dilui a expectativa de que se cumpram cabalmente. Mas os salmos estão apenas declarando poeticamente os termos da aliança de Deus em Êxodo 23 e em Deuteronômio 28. Não são salmos “inspirativos”, são a descrição do que cada cristão em aliança com Deus experimenta. Essa aliança não era apenas para o Israel antes de Cristo, e sim para todos os verdadeiros descendentes de Abraão, o Israel de Deus (Gl 6.16). As bênçãos na lei de Moisés são o cumprimento das promessas feitas a Abraão, que não podem jamais ser revogadas.

Há somente uma morte prematura que é glorificada na Escritura, que é a morte pelo martírio. Quando os cristãos leem os registros em Atos e certas passagens das epístolas, encontram diversas menções à perseguição e ao assassinato de cristãos, e logo deduzem que qualquer cristão pode morrer a qualquer momento. É ridículo lançar as Escrituras em contradição dessa forma. A morte por martírio não anula as promessas de Deus de longevidade e proteção. O próprio Paulo é o maior exemplo disso: ele tinha energia, proteção e cura o tempo inteiro capacitando-o a viver até a velhice após uma vida absurdamente produtiva pelo reino de Deus. É extremamente difícil matar um cristão: basta comparar com quantos livramentos de perigos mortais os apóstolos experimentaram em Atos. Pense nos amigos de Daniel escapando da fornalha e no próprio Daniel dormindo com os leões. Veja o quanto Davi foi perseguido e encontrou-se face a face com a morte, e ainda assim faleceu em paz no seu leito bem idoso. E quanto àqueles que morreram jovens, considere que a glória do martírio é muitas vezes uma escolha (Hb 11.35), e que o próprio Paulo disse que o sofrimento dos apóstolos era muito maior do que o dos demais cristãos (1Co 4.8–10).

Portanto, a morte como consequência de ser perseguido por causa da justiça é fundamentalmente diferente da morte por doenças, acidentes, bandidos ou fome. A Escritura separa nitidamente essas duas coisas. Morrer por amor a Cristo diante dos inimigos é glorioso e deixa na terra um testemunho poderoso (Jo 21.19). Morrer pelas mesmas coisas normais que também matam os ímpios devido à rejeição das promessas de Deus é tolice.

Quando cristãos piedosos e cheios de fé experimentam essas ameaças à vida, a resposta adequada não é reinterpretar as promessas de Deus para que se adequem às circunstâncias. É o exato oposto: mudar as circunstâncias pela fé para que se adequem às promessas de Deus. Observe o Salmo 44:

Tudo isso nos sobreveio; entretanto, não nos esquecemos de ti, nem fomos infiéis à tua aliança. Não tornou atrás o nosso coração, nem se desviaram os nossos passos dos teus caminhos, para nos esmagares onde vivem os chacais e nos envolveres com as sombras da morte. Se tivéssemos esquecido o nome do nosso Deus ou tivéssemos estendido as mãos a deus estranho, porventura, não o teria atinado Deus, ele, que conhece os segredos dos corações? Mas, por amor de ti, somos entregues à morte continuamente, somos considerados como ovelhas para o matadouro. Desperta! Por que dormes, Senhor? Desperta! Não nos rejeites para sempre! Por que escondes a face e te esqueces da nossa miséria e da nossa opressão? Pois a nossa alma está abatida até ao pó, e o nosso corpo, como que pegado no chão. Levanta-te para socorrer-nos e resgata-nos por amor da tua benignidade (Sl 44.17–26).

Os israelitas tinham a promessa da vitória contra os inimigos desde que se mantivessem obedientes a Deus. Mas eles sofreram a derrota mesmo cumprindo a parte deles no pacto. O que o salmista faz? Clama a Deus para que cumpra a parte dele, em lugar de racionalizar a sua vergonha. Essa é a fé que agrada a Deus. Do mesmo modo Jó: apesar dos seus erros, ele passou na prova de fé. Ele termina as suas declarações confiante de que Deus irá restaurá-lo, se tão-somente ele conseguisse pedir isso. Deus o abençoou em dobro após todas as desgraças, e ele pôde ver os seus bisnetos e viver mais 140 anos.

Deus é fiel. Ele fez um pacto contra a morte prematura e o assinou com o sangue puro de Jesus Cristo. Deus é vida, e ele especificou claramente na sua aliança de que modo a sua vida se manifestaria naqueles que estão sob as bênçãos de Abraão. A vida de Jesus opera nos cristãos não apenas santificando e concedendo paz e alegria, mas também blindando o seu corpo contra ameaças mortais. Todo cristão deve crer nisso.

Milagres de Ressurreição pela Escritura

Agora que apreciamos a natureza vivificante de Deus e a sua aliança com o seu povo, estamos prontos para abordar os milagres de ressurreição.

O Espírito de Deus é um rio de água viva. Na sua aliança, Deus promete que será o nosso Deus, e nós seremos o povo dele (Lv 26.12; Ap 21.3). Ele cumpre essa maravilhosa promessa fazendo o seu Espírito habitar em nós, e marcando-nos como um povo distinto, acima de todos os povos ímpios da terra (Ex 19.5–6). De modo que o Espírito Santo agindo por meio de nós traz vida onde há morte. Nisso, temos um tesouro que os pagãos não podem ter: os nossos mortos ressuscitam.

A Escritura apresenta uma série de registros históricos de ressurreição:

1. O filho da viúva de Sarepta, por Elias (1Rs 17.17–24);
2. O filho da sunamita, por Eliseu (2Rs 4.18–37);
3. O soldado que caiu em cima dos ossos de Eliseu (2Rs 13.21);
4. A filha de Jairo, por Jesus (Mc 5.21–43);
5. O filho da viúva de Naim, por Jesus (Lc 7.11–17);
6. Lázaro, por Jesus (Jo 11);
7. Diversos santos de uma vez, por ocasião da morte de Jesus (Mt 27.51–53);
8. Dorcas, por Pedro (At 9.36–42);
9. Paulo, após o apedrejamento (At 14.19–20);
10. Êutico, por Paulo (At 20.9–12).

Vamos avaliar o que todas essas pessoas tinham em comum.

Primeiro, todos eram ainda jovens. Alguns eram criancinhas, como os ressuscitados por Elias e Eliseu, e possivelmente o filho da viúva de Naim. Outros eram adolescentes, como a filha de Jairo e talvez Dorcas. Ainda outros eram adultos jovens, como Lázaro, o soldado, possivelmente Êutico e o próprio Paulo, que ainda não era idoso. Todos eles morreram antes de “completarem os seus dias”. Morreram antes da velhice e pelas causas contra as quais Deus promete proteção — violência, enfermidades e acidentes. Portanto, era adequado eles que recebessem a bênção prometida na aliança.

Segundo, todos eram cristãos piedosos ou, no caso das criancinhas, filhos de cristãos piedosos. A viúva de Sarepta e a sunamita eram seguidoras dos profetas de Deus e foram pessoalmente agraciadas com outros milagres. Jairo era chefe da sinagoga e manifestou uma dedicação a Jesus nada trivial quando pessoalmente buscou o Mestre em face da hostilidade generalizada dos seus pares — afinal, quase todos os líderes dos judeus eram inimigos de Cristo. Dorcas tinha um bom testemunho de obras de serviço perante os seus entes queridos. Lázaro era um dos amigos mais próximos de Jesus, assim como suas irmãs. Êutico era um cristão que estava ouvindo a pregação de Paulo. E aqueles que ressuscitaram quando Jesus morreu eram “santos”. Quanto aos demais, não há nenhuma informação sugerindo o oposto.

Deus cumpre a sua promessa de longevidade ressuscitando todos aqueles que são parte do seu povo. O resumo do seu pacto é: “Eu serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo”. Ele é o NOSSO Deus e de mais ninguém, e NÓS somos o povo dele, não qualquer outro. Suas bênçãos estão sobre nós, que somos filhos de Abraão por meio da fé em Jesus e guardamos os seus mandamentos. Por outro lado, aqueles que seguem outros deuses e que quebram a lei do Senhor estão sob maldição. Para eles, a morte é a norma. É natural então que a Escritura não apresente nenhum registro de ímpios sendo ressuscitados.

Terceiro, todos esses ressuscitaram independentemente das condições em que estavam após morrerem. Alguns estavam mortos há poucos minutos ou poucas horas em suas casas, como as duas criancinhas dos livros dos Reis. Alguns já estavam sendo formalmente lamentados por um grupo de pessoas, como em um velório. O filho da viúva de Naim já estava no caixão, prestes a ser enterrado. Lázaro já estava sepultado há 4 dias, e os mortos que ressuscitaram quando Jesus morreu possivelmente já estavam lá há anos.

A lição é: nunca é tarde demais. Não há nenhum ponto em que é seguro dizer que uma pessoa não irá mais ressuscitar. Isso é de extrema importância, porque a morte é tanto mais racionalizada e processada no coração dos entes próximos quanto os procedimentos para a despedida se sucedem. A notícia da morte é um impacto atordoante, mas o movimento pendular da pá do coveiro assenta, por assim dizer, a terra da fatalidade sobre a perplexidade daqueles que estão em choque. Ao dar as costas para o caixão no subsolo, as pessoas dão as costas para o passado. Mas o poder do Espírito Santo não é detido por pregos no caixão nem por metros de profundidade subterrânea. A qualquer momento, ele pode refazer um corpo apodrecido, soprar o fôlego de vida e arrancá-lo da sua prisão gélida de madeira, solo e pedra.

Os incrédulos dizem “Mas se Deus quisesse, ele poderia ter curado. Se Deus quisesse ressuscitar, ele poderia ter feito isso rapidamente. E se for da vontade de Deus levar para o céu tal pessoa?”. Mas de onde procedem essas falas? Eu não vi nenhum profeta, nenhum apóstolo, nem Jesus e nem nenhum dos entes queridos que conversaram com eles falarem dessa maneira. Quando foi da vontade de Deus levar Enoque e Elias, ele simplesmente os levou vivos, não os matou lentamente com doenças até destruir os seus órgãos, nem os carbonizou em uma casa em chamas. Por outro lado, os inimigos de Jesus disseram “Esse que abriu os olhos do cego não poderia ter impedido a morte?” (Jo 11.37). São os espiritualmente estúpidos que usam a “vontade de Deus” para se eximirem da responsabilidade de crer e buscar. Jesus disse “Esta doença não acabará em morte” (Jo 11.4), e então deliberadamente deixou Lázaro permanecer 4 dias morto para então ressuscitá-lo. Às vezes, realmente Deus não atende à cura porque ele deseja atender à ressurreição! Ele não está disposto a desistir das suas promessas no meio do caminho. Então nós não podemos desistir de crer e clamar pelo seu milagre. A cananeia ouviu “Não” três vezes, duas delas com explicações teológicas, antes de ouvir um “Sim” à sua fé obstinada (Mt 15.22-28). Hoje, Deus fala “Sim” enquanto os cristãos dizem “Não”.

Quarto, em todas as ocorrências de luto, houve um verdadeiro e irrestrito desejo de que o morto retornasse. Nós vemos as mães das crianças pedindo contas aos profetas de Deus. Pedro foi chamado para ressuscitar Dorcas. Na versão de Mateus, Jairo pediu para Jesus ir ressuscitar a sua filha. A viúva no livro de Lucas chorava pelo seu filho, e Jesus o ressuscitou por compaixão. Lázaro estava sendo pranteado, e tanto Maria como Maria expressaram que Jesus teria dado vida ao irmão se estivesse lá. Em tudo isso, não há uma só palavra atenuando o problema da morte. Não há nenhum consolo que relativize o peso de um falecimento prematuro. Nenhuma dessas pessoas achou normal que Deus levasse para o céu alguém ainda jovem. Os vivos ou pediram a ressurreição imediata, ou responsabilizaram os ministros de Deus por não haverem evitado a morte, ou apenas estavam chorando demais para terem esperança clara.

Os detalhes na história da ressurreição de Lázaro são muito interessantes. Como já mencionado, Jesus deixou Lázaro morrer de propósito, não porque a vontade de Deus era “levá-lo para si”, e sim porque a vontade de Deus era manifestar a sua glória com um milagre de ressurreição, que é ainda maior do que um de cura. Quando Jesus chegou ao local, Marta se aproximou dele primeiro. Ela disse duas palavras de fé magníficas: 1) Que Lázaro não teria morrido se Jesus estivesse lá, porque Jesus o teria curado; 2) Que mesmo naquele momento, Jesus poderia fazer algo a respeito (Jo 11.21-22). Marta não tinha clareza, mas ela sabia que, se Jesus estava lá, e conhecendo-o bem como ela conhecida, nada seria impossível.

Jesus respondeu “Teu irmão irá ressuscitar”. Marta entendeu que Jesus estava falando da ressurreição final, no último dia. Ela tinha a escatologia ortodoxa em mente, como todos os bons cristãos. Isso é o máximo que os cristãos hoje conseguem expressar. Em todo velório, o ministro prega uma palavra referente à esperança da ressurreição final. Agora, Paulo de fato oferece essa sublime esperança em 1Tessalonicenses 4.13-18. Ele diz que não devemos nos entristecer como os pagãos, porque todos os cristãos que hoje dormem irão um dia despertar para encontrar com Cristo nos ares, ao soar da trombeta e à voz do arcanjo. Ninguém nega isso.

Mas a resposta final de Jesus alarga a nossa fé. Por melhor que seja a ressurreição escatológica, ela não é a solução para o luto de agora. Ela não resolve o problema de um morto que não “completou o número dos seus dias”, que não foi “saciado com longevidade”. Jesus não achou que a esperança escatológica de Marta era o suficiente. Se fosse, o que ele estaria fazendo ali, então? Ele disse: “Eu sou a Ressurreição e a Vida”, em todos os sentidos e para todos os tempos.

Admirável! Jesus não disse “Eu sou o Consolo”. Jesus não disse “Eu sou a Esperança do último dia”. Jesus não disse “Eu sou o Contentamento”. Jesus não disse “Eu sou o Aperfeiçoamento por meio do sofrimento”. Ele poderia ser todas essas coisas em outros contextos, em outras situações. Mas para a morte de um jovem amigo, ele é a Ressurreição e a Vida. Com efeito, ele disse “Marta, por que você está pensando na ressurreição futura se eu estou bem aqui na sua frente, trazendo a ressurreição e a vida no meu ser?”. Marta concordou, sem objeções nem hesitações.

A ressurreição no último dia é a vitória final de todos os cristãos. Aqueles que morreram como mártires ou idosos não serão esquecidos por Deus. E mesmo aqueles que morreram por outras causas também ressuscitarão no último dia. Mas Deus reiteradamente aponta o milagre da ressurreição física e imediata como a resposta apropriada para todas as mortes que Deus promete anular nos termos da sua aliança. Nenhum de nós quer morrer antes da velhice, e nem queremos ver nossos amados morrerem assim. Esse desejo não é “terreno” demais para Deus. Deus não nos constrange a encarar a morte com estoicismo. A morte é uma tragédia introduzida pelo pecado. Nós devemos odiar esse tipo de morte. Não é uma fatalidade à qual devamos nos conformar ou nos acostumar. O poder de Deus está conosco para cumprir as suas promessas de cura, proteção e ressurreição, levando-nos em paz até o fim dos nossos dias.

Mas o melhor milagre de ressurreição vem agora:

Pela fé, Abraão, quando posto à prova, ofereceu Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito aquele que acolheu alegremente as promessas, a quem se tinha dito: Em Isaque será chamada a tua descendência; porque considerou que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos, de onde também, figuradamente, o recobrou (Hb 11.17-19).

Quando Deus prometeu a Abraão que ele teria uma descendência abençoada, ele creu imediatamente e foi declarado justo mediante a fé (Gn 15.6). Mas foi somente ao se dispor a oferecer Isaque como sacrifício que a justiça da fé foi confirmada pelas obras (Tg 2.21-23).

O autor de Hebreus diz claramente que a obediência de Abraão não foi cega. Abraão não pensou “Bem, não entendo o que Deus quer com isso, mas vou obedecer porque ele sabe o que faz. Minha mente é finita demais para compreender os mistérios de Deus”. Antes, ele percebeu claramente que não haveria dificuldade alguma. Se Deus disse que o povo da aliança e o descendente central, que é Jesus, viriam por meio de Isaque, logo Isaque teria de ressuscitar. A ordem de matar Isaque não apresenta nenhuma contradição, nem mesmo uma contradição aparente, com a promessa original de Deus. A promessa de Deus não pode ser anulada nem ressignificada: se Isaque morrer, Deus o trará de volta à vida para cumprir sua promessa.

Obviamente, Deus impediu Abraão de matar Isaque no último instante. Era suficiente que Abraão houvesse recebido a ressurreição do seu filho pela fé. Essa é uma doutrina da fé que perpassa toda a Bíblia: quando você genuinamente crê na Palavra de Deus, contra todas as evidências dos sentidos, o objeto da fé é contado como já realizado. A ressurreição de Isaque não precisou acontecer no mundo físico para que fosse considerada verdadeira: ela se realizou na mente de Abraão perfeitamente. Jesus ensina claramente que Deus causa as circunstâncias exteriores a se adequarem àquilo que declaramos pela fé (Mt 21.20-22), mas, nesse episódio de Abraão, o mundo físico nem precisou retornar ao estado em que Isaque volta a viver, porque Deus não achou necessário deixar as circunstâncias se desenrolarem para Isaque morrer. A realidade que Deus prometeu pressupunha a vida de Isaque, e Abraão creu nisso ao ponto de não duvidar da ressurreição. Por causa disso, Deus chamou Abraão de pai da fé (Rm 4.11).

Você entendeu? A fé de Abraão — a mesma fé básica que justifica — aceita o milagre da ressurreição dos mortos como necessário para que a palavra de Deus permaneça firme. Tanto isso é verdade que Paulo afirma aos gálatas que eles são justificados pela fé e que eles operam milagres também por essa mesma fé (Gl 3.1-5). Abraão é o pai dessa fé, e de nenhuma outra. Como você pode se considerar um filho de Abraão se você faz o exato oposto do que Abraão fez, relativizando as promessas explícitas de Deus por longevidade e proteção e desprezando a fé no milagre de ressurreição? Abraão aceitou como certa a reversão da morte para que a Palavra de Deus se cumprisse, ao passo que você aceita a reversão da Palavra de Deus para que a morte permaneça. Se Abraão fosse como você, ele subiria a colina com Isaque raciocinando assim: “Tudo isso é bem triste e estranho, mas o meu consolo está no fato de que Isaque irá para o céu, para um lugar melhor, e ele ainda irá ressuscitar no último dia. Aquela promessa de Deus que eu ouvi há vários anos, bem, talvez eu tenha entendido errado. Ela deve ter algum sentido espiritual e sublime que a mente humana não consegue captar. A vida não é simples e os caminhos de Deus são misteriosos. Que pena”. Esse Abraão nunca existiu. Esse tipo de “fé” não é fé, é vista.

A incredulidade contemporânea se torna ainda mais indesculpável quando consideramos os privilégios que Abraão não teve. Entenda, Abraão não tinha uma doutrina abstrata sobre a soberania de Deus que o levasse a pensar que Deus “pode” ressuscitar se for da vontade dele. Não, ele tinha uma doutrina nítida sobre a fidelidade de Deus que o convenceu de que Deus com certeza traria Isaque de volta para manter a sua palavra. Mas ele não tinha nenhum caso prévio em que se inspirar. Ele não tinha uma Bíblia escrita. Ele não testemunhou os incontáveis atos de providência milagrosa de Deus em favor do seu povo. Ele não viu Elias e Eliseu ressuscitando crianças. Ele não viu Jesus fazendo milagres de ressurreição e dando extensas explicações sobre como a fé opera. Ele não viu os apóstolos ressuscitando ninguém. Mas nós temos todas essas coisas registradas em um denso livro, que é a Palavra de Deus. Como é possível que, com tanto mais informação sobre como Deus age e tantas provas do seu poder e da sua fidelidade, os cristãos se recusem a imitar a fé de Abraão?

Não adianta alegar que o caso de Abraão era especial porque a esperança dele era o Messias que viria por meio de Isaque. Abraão creu na promessa de Deus. Deus poderia ter prometido qualquer outra coisa, e Abraão teria crido. A nós, Deus fez promessas na sua aliança e registrou diversos casos na Escritura que ilustram o que podemos esperar com base nessas promessas. Tentar argumentar por um caso de exceção em Abraão equivale a dizer que Deus pode mentir sobre as suas promessas, exceto sobre as promessas específicas que se referiam ao nascimento de Jesus. Ademais, o sentido messiânico dos milagres de ressurreição continua tão importante hoje como no tempo de Abraão, pois eles testemunham a realidade de que o Salvador está de fato entre nós. Em cada casa de luto em que Jesus e os seus ministros compareceram, houve ressurreição dos mortos. A pergunta é: Jesus está entre nós? Ele foi convidado para os velórios e enterros a que nós assistimos? Se sim, então ele faria o que ele sempre fez, o que só ele pode fazer.

Ressurreição e Ministério

Se essa é a doutrina sobre a obra de Deus de ressuscitar mortos, o que devemos fazer como cristãos?

À medida que seguirdes, pregai que está próximo o reino dos céus. Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios; de graça recebestes, de graça dai (Mt 10.7-8).

Então, Jesus lhes respondeu: Ide e anunciai a João o que vistes e ouvistes: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres, anuncia-se-lhes o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço (Lc 7.22-23).

O primeiro texto demonstra que o comissionamento de Jesus exige milagres de cura, de exorcismo e de ressurreição tanto quanto a pregação do evangelho. A versão de Lucas diz que Jesus deu autoridade aos discípulos sobre doenças e sobre demônios (Lc 9.1-2). A questão é muito simples; a descrição de um ministério cristão normal é essa. Esse não é um ministério apenas dos doze apóstolos, pois Jesus enviou 70 discípulos nos mesmos termos (Lc 10.9,17). Na Grande Comissão, que todos concordamos não ter sido delegada apenas aos apóstolos, ele ordenou que os seus discípulos pregassem o evangelho e ensinassem todas as coisas que ele ordenou, manifestando sinais milagrosos (Mc 16.15-18; Mt 28.18-20). Não há nenhuma indicação de que essa última comissão anula as mesmas ordens básicas que Jesus pronunciou na primeira. Nós vemos que os apóstolos continuaram a fazer no livro de Atos as mesmas coisas que Jesus ordenou em Mateus 10. O ministério de operação de milagres de cura e ressurreição associado à pregação permanece até o fim do mundo.

O segundo texto mostra os resultados desse ministério. A prova de que Jesus era o Messias prometido inaugurando o seu reino perpétuo eram os milagres. Jesus mencionou a pregação do evangelho aos pobres, mas ele citou cinco vezes a operação dos milagres de cura, incluindo a ressurreição dos mortos. Essa é a missão de Jesus. Esse é o aspecto reconhecível do seu reino. Onde não há curas, nem ressurreição nem milagres, o reino de Cristo ainda não chegou.

Deus certamente pode ressuscitar quem ele quiser e quando ele quiser, e ele o fez diversas vezes sozinho. Mas a maioria dos milagres de ressurreição envolveu agentes humanos. Deus deu autoridade aos discípulos e depois os batizou com o Espírito Santo para que eles pudessem fazer as mesmas obras que Jesus fez e outras ainda maiores (Jo 14.12-14). Deus quer que os seus discípulos sejam coparticipantes da sua obra de operação de milagres. Ele nos nomeou reis e sacerdotes da nova aliança (Ap 1.6), e concedeu a todos os cristãos o poder profético também (At 2.17-18). Nós não somos mendigos torcendo para que Deus faça algo agradável por nós, antes somos regentes ao lado de Cristo em tronos celestiais (Ef 2.6). Sem ele, nada podemos fazer; porém não estamos sem ele, portanto devemos fazer muito (Jo 15.5).

Falando sobre o poder da oração eficaz, Tiago nos coloca no mesmo nível de Elias. Ele cita uma das muitas orações de Elias que resultou em milagre e nos diz que ele era homem como nós, a fim de nos encorajar a fazermos orações e atingirmos resultados semelhantes (Tg 5.15-18). Se Elias ressuscitou uma criança pela sua oração perseverante, nós também podemos. Todo cristão pode fazer as mesmas obras que Elias fez.

Milagres de ressurreição, portanto, nunca foram circunscritos a tempos específicos nem a ofícios específicos. Nunca foram limitados a fases de novas revelações canônicas, nem a profetas e apóstolos. A Escritura associa os milagres de ressurreição ao discipulado normal e à presença do reino do Messias. Eles só irão cessar quando “vier o que é perfeito” (1Co 13.10), a ressurreição final do último dia e a destruição conclusiva da morte. Se a operação de milagres de ressurreição cessasse, a aliança de Deus em favor da longevidade seria quebrada e a fé de Abraão se esfarelaria no tempo.

Está estabelecido que todos os cristãos devem ministrar a ressurreição dos mortos uns pelos outros. Toda morte prematura, caso não tenha sido prevenida pela cura divina, deve ser seguida de súplicas incessantes pela ressurreição. Todo cristão que aceita esse tipo de morte com o pretexto de que “aprouve ao Senhor levar para si” está sendo desobediente, com o agravante de usar o nome do Senhor em vão.

A Escritura também afirma que há diversidade nos dons, e cita operações de milagres e dons de cura entre eles (1Co 12.1-11). Logo, há cristãos mais capacitados do que outros para exercerem esse tipo de ministério. Uma vez que já expliquei no meu livro da cura e ainda mais extensamente no meu livro sobre profecias a diferença entre o comum e o diverso, não me repetirei aqui. É suficiente dizer que todos os cristãos são capazes de operar milagres e de conseguir ressurreições, mas alguns são especialmente vocacionados a se dedicarem a certas obras com maior fervor e êxito do que outros, segundo a medida maior da sua fé. Assim, além da união de todos os cristãos em orações por ressurreições, é importante que haja alguns cristãos com um ministério destinado a esse fim — que orem mais por isso, que sejam chamados a visitar os moribundos, que exerçam esse poder com maior concentração. Onde houver fé, o Espírito Santo distribuirá esses dons conforme lhe aprouver.

Quanto àqueles que ministram o ensino da Palavra — pastores, presbíteros, mestres e profetas — espera-se que eles também orem pela ressurreição dos mortos. Tiago diz que eles devem ser chamados para ungir e para orar pelo enfermo para que seja curado, logo é apenas lógico que façam o mesmo por aqueles que morreram. Se eles devem ser, por definição, mais maduros na fé e mais argutos na doutrina, o normal é que demonstrem competência considerável na realização daquilo que sabem tão bem explicar.

Mas, ainda que não seja esse o caso, no mínimo a explicação e a pregação da doutrina referente a esse tipo milagre (exatamente o que estou fazendo aqui) precisam ser entregues com inteligência, profundidade, otimismo e correção. Segundo observamos nos casos bíblicos, não são os entes queridos que conseguem a ressurreição, porque normalmente estão abalados demais para pensar na questão com clareza. Uma dor emocional tão profunda facilmente desestabiliza a fé otimista. Por isso, os profetas, Jesus e os apóstolos não são duros com tais pessoas, antes tomam para si a missão de operar o milagre. E é aqui que entra toda a relevância da ministração mútua, da comunhão dos santos, da edificação do corpo e do exercício do amor. Aquelas pessoas que mais estão sofrendo com a perda podem contar com seus irmãos mais fortes para fazerem a oração eficaz e operarem a ressurreição. E quanto aos docentes de que eu estava falando, o papel deles deve ser precisamente o de garantir que toda a igreja apreenda bem a doutrina bíblica para que conheçam o seu papel e para que estejam prontos para agir em tais situações. Se um cristão estiver imerso em uma atmosfera de fé e convicção bíblica por meio de ouvir a pregação da Palavra junto a outros que dizem o amém, ele estará muito mais preparado para que, quando o sombrio ceifeiro atravessar a sua casa, a ressurreição já esteja entranhada nas suas reações mais instintivas. O pensamento milagroso deve vir como um hábito, tão rapidamente quanto qualquer reação fisiológica a um estímulo físico. Quem irá treinar os membros da igreja para que atinjam o pináculo da fé? Essa é a função dos ministros da Palavra, sempre ensinando, exortando, relembrando, argumentando e pregando.

Teologia e ensino são necessários para qualquer coisa que a igreja fizer. O sucesso de qualquer ministério depende de uma pregação competente e fiel. Por isso, mesmo os evangélicos mais entusiastas pelos milagres geralmente alcançam resultados medíocres, dado o desprezo pelo ensino teológico que é tão prevalente na maioria das igrejas. Ainda assim, o fato de que tais milagres são encorajados e apresentados em um contexto de otimismo e fé já é um bom caminho, e diversos milagres se realizam. Deus é misericordioso e abençoa os esforços da fé mesmo quando apenas uma parte da teologia está correta. Por outro lado, os ministérios docentes cessacionistas que totalmente ignoram a súplica pela ressurreição e que elaboram justificativas artificiais para que ninguém espere por milagres são inteiramente corrompidos pela peçonha da incredulidade. Eles impõem uma inversão de valores total, caracterizando como maturidade na fé a conformidade com a morte e lançando suspeitas sobre qualquer um que ouse almejar a ressurreição. Para eles, uma pessoa é tanto mais piedosa quanto mais envernizar o caixão com o brilho fosco das tergiversações estoicas.

Milagres de ressurreição na Escritura são retratados por eles como subservientes a um propósito que já não vige mais. Dizem que a operação desses milagres servia para “autenticar nova revelação” e para sinalizar uma obra maior no plano da redenção. Assim, os sermões e comentários sobre os episódios de ressurreição se limitam a aplicações alegorizadas. Se Jesus ressuscitou Lázaro, isso significa que Jesus nos salva da morte espiritual, dando-nos a vida eterna e garantindo a nossa ressurreição no último dia. Mas, por algum motivo, o milagre em si já não se aplica mais. A revelação já foi autenticada, Deus não deseja mais provar nada sobre si mesmo, e a vida segue.

No entanto, a Escritura diz claramente que Jesus fazia milagres por compaixão. Isso é especialmente enfatizado na ressurreição do filho da viúva de Naim e na ressurreição de Lázaro, na qual ele chegou a chorar apesar de estar totalmente seguro do que aconteceria. Jesus é um sumo sacerdote que conhece as nossas fraquezas e que está pronto para nos socorrer quando o buscarmos em ocasião oportuna (Hb 4.15-16). Se Jesus fazia milagres para provar algo sobre si mesmo, com certeza ele provou ser compassivo e poderoso para transformar o sentimento de compaixão em ações concretas. Essa é a revelação que ele autenticou. Dizem: “Pare de ser tão centrado no homem! A Bíblia não é sobre você! A Bíblia é sobre Jesus! Jesus fez essas coisas para que você olhe para ele, para mostrar a você quem ele é!”. Pois bem... ele é o Salvador que se condói pela nossa tristeza e que faz milagres para nos alegrar. Quando eu aprecio os milagres de ressurreição que ele fez, eu vejo como ele é bondoso, como ele é cheio de amor e graça, e como ele realmente faz algo a respeito – muito ao contrário daqueles que só falam e explicam, mas não agem.

Sim, a Escritura diz que devemos “chorar com os que choram” (Rm 12.15). Jesus fez exatamente isso: ele chorou e... removeu o motivo do choro em um instante. Isso é compaixão. Isso é amor. Como João diz: não amemos só de palavra, mas de fato e de verdade (1Jo 3.18). O amor é ação. Cristãos devem consolar uns aos outros no luto, mas a Bíblia nos diz quais são as palavras certas. Para a morte de um cristão idoso e que tenha partido em paz, as palavras de 1Tessalonicenses 4 são adequadas. Para a morte daqueles que não completaram o número dos seus dias porque foram interrompidos na juventude por doenças, acidentes ou violência, o consolo vem com o encorajamento da fé, com orações pela reversão da morte, com milagres. Esse é o procedimento padrão que encontramos na Bíblia. Aqueles que se recusam a fazer essas coisas e se atêm ao choro não manifestam amor bíblico, apenas a versão deturpada e mundana do amor.

Essa é a motivação do ministério cristão pela ressurreição dos mortos. Devemos fazer essas coisas por amor e compaixão. É isso que mostrará ao mundo a glória de Deus.

Quanto ao modo como devemos operar o milagre, a Bíblia apresenta uma diversidade. Elias orou, e precisou orar com persistência para o milagre acontecer. Eliseu primeiro tentou o cajado, depois fez orações também, deitando-se sobre o morto. Jesus falou diretamente aos mortos, ordenando que ressurgissem. No caso de Lázaro, ele também orou antes, embora ele tenha deixado claro que isso foi apenas para o benefício dos ouvintes. Pedro orou e depois deu a ordem a Dorcas. Paulo apenas tomou Êutico pela mão declarando que ele estava vivo. Um cristão pode fazer todas essas coisas. Fazer orações, declarar comandos, declarar um estado de coisas já realizado pela fé ou fazer algo mais específico sob direção direta do Espírito Santo — tudo isso está no nosso arsenal contra a morte.

Operação de milagres à distância é tão eficaz quanto operações presenciais. No entanto, quando falamos de ressurreição, é necessário nos examinarmos se não temos receio de passar vergonha na frente dos outros. Um cristão pode preferir orar à distância como um modo de se eximir da responsabilidade de agir com ousadia e fé em público. Essa “zona de segurança” é imaturidade e merece correção. Se um cristão tem medo de passar vergonha no velório ou no sepultamento, então ele não está raciocinando com fé. Antecipar hipoteticamente o fracasso já é uma expulsão da fé. Para fins de argumentação, mesmo se supusermos o fracasso, ainda assim esse cristão terá agido nos termos bíblicos, e os olhares ultrajados que ele receberá farão parte da rejeição que um cristão sofre legitimamente. Jesus recebeu escárnio dos enlutados pela filha de Jairo, mas ninguém reclamou quando a menina se levantou da cama. Vale a pena.

Por outro lado, um cristão não deve invadir velórios hostis a essa fé. Isso apenas resultaria em escândalo desnecessário. Em todos os casos da Escritura, o agente que operou a ressurreição foi convidado pela pessoa responsável pelo falecido, com a possível exceção do caso do filho da viúva de Naim. De qualquer modo, Jesus já tinha uma reputação estabelecida como operador de milagres. Os cristãos devem primeiro aprender a restaurar a fé entre si e operar milagres no contexto mais íntimo de seus irmãos em Cristo e seus familiares cristãos. Lembre-se de que a fama dos milagres de Jesus se espalhava mesmo quando ele tentava contê-la. É fácil atuar em uma atmosfera de fé e receptividade, como nos casos da Escritura. Se você tem dúvidas quanto a um caso específico, sempre peça permissão aos enlutados para orar pela ressurreição. Se forem hostis até a esse pedido, então nada há para se fazer ali. Deus honra a fé, não a desesperança.

Objeção: Morrer é Lucro... Para Quem?

Ao longo da exposição, já lidamos oportunamente com diversos erros que iludem os cristãos a não buscarem os milagres de ressurreição. Mas há uma objeção mais elaborada e que é o núcleo de toda a consolação padrão nos velórios cristãos. É o princípio de que “morrer é lucro”. Observemos o texto na íntegra:

Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa súplica e pela provisão do Espírito de Jesus Cristo, me redundará em libertação, segundo a minha ardente expectativa e esperança de que em nada serei envergonhado; antes, com toda a ousadia, como sempre, também agora, será Cristo engrandecido no meu corpo, quer pela vida, quer pela morte. Porquanto, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro. Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. Mas, por vossa causa, é mais necessário permanecer na carne. E, convencido disto, estou certo de que ficarei e permanecerei com todos vós, para o vosso progresso e gozo da fé, a fim de que aumente, quanto a mim, o motivo de vos gloriardes em Cristo Jesus, pela minha presença, de novo, convosco (Fp 1.19-26).

Os descrentes normalmente dizem nos seus próprios velórios que o falecido “está em um lugar melhor”. Eles não têm nenhum fundamento para afirmarem isso, exceto talvez o seu ódio mal disfarçado pela vida que os impede de conceber qualquer lugar pior do que este. Não é de surpreender, visto que Deus inicia as prévias do inferno na alma deles já hoje, amaldiçoando a sua existência.

Já os cristãos estão corretos em afirmar que um falecido regenerado está em um lugar melhor. O céu para onde as nossas almas irão após a morte é muito melhor que esta vida, a qual já é muito boa sob a bênção de Deus. A Escritura faz esse contraste em diversos outros lugares:

Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E, por isso, neste tabernáculo, gememos, aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial... Entretanto, estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor (2Co 5.1,2,8).

Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo... Também considero justo, enquanto estou neste tabernáculo, despertar-vos com essas lembranças, certo de que estou prestes a deixar o meu tabernáculo, como efetivamente nosso Senhor Jesus Cristo me revelou (2Pe 1.11,13,14).

Por esta razão, tudo suporto por causa dos eleitos, para que também eles obtenham a salvação que está em Cristo Jesus, com eterna glória. Fiel é esta palavra: Se já morremos com ele, também viveremos com ele; se perseveramos, também com ele reinaremos... (2Tm 2.10-12)

Então vem a pergunta: se a alma do falecido está com Cristo no céu em perfeita alegria, por que nós o traríamos de volta? Não seria egoísmo da nossa parte querermos de volta alguém que foi para o céu apenas porque sentimos saudades? É exatamente assim que os cristãos são ensinados a arrazoar. Mas essa é uma resposta desonrosa e falsa ao luto pelas mortes prematuras.

Em primeiro lugar, se esse modo de julgar estivesse correto, ele teria de se aplicar aos casos bíblicos. Embora haja esses textos que exaltam o estado após a morte, eles não são a resposta apropriada para como lidar com mortes prematuras. Eles são verdadeiros e relevantes em si mesmos, mas isso não significa que podemos utilizá-los para o que quisermos e ignorar outros dados da Escritura.

Quando Elias ouviu a reclamação da viúva de Sarepta, ele não recitou a fórmula “O Senhor deu e o Senhor tomou. Seu filho está no céu com Deus, e um dia você o verá na glória quando também morrer”. Não, ele clamou insistentemente a Deus até a ressurreição acontecer. Quando Eliseu ouviu a sunamita alegar que fora iludida pelo profeta, ele não entoou o mantra “Veja, eu entendo que Deus quis te dar um filho, mas realmente ele decidiu tomá-lo para si agora. Os planos de Deus são misteriosos para nós. Ele usa essas situações para nos aproximar dele, para mortificar a idolatria no nosso coração. O importante é que o seu filho está no céu, e isso é muito melhor”. Não, ele enviou o seu servo à frente, correu o melhor que podia e conseguiu a ressurreição. E Lázaro, que já estava há 4 dias festejando no céu? Jesus não achou que seria uma desfeita trazê-lo de volta para esta vida. Ele não julgou que seria um estraga-prazeres fazer a alma de Lázaro retornar ao seu corpo sujeito a dores, ao cansaço e ao pecado. Ele não passou um sermão relativizando o choro de Maria e Marta, desviando-as do foco da angústia para ver o lado bom da coisa. Ele correspondeu exatamente à vontade normal, comum, “terrena” e supostamente egoísta daquelas pessoas: trouxe de volta da morte o amado. E ele nos comissionou a fazer o mesmo.

Será que Jesus, os profetas e os apóstolos não sabiam que era melhor para o morto estar no céu? Será que eles não conheciam essa verdade tão enfatizada pelos teólogos? Ora, o próprio Paulo escreveu a maioria dos textos que falam do anseio de ir para o céu, mas ele ressuscitou Êutico mesmo assim. Ou será que são os teólogos que não entenderam alguma coisa que esses homens bíblicos conheciam muito bem? No que você apostaria?

Um princípio hermenêutico para você memorizar: se algo não era um problema para as situações da Bíblia, então não é um problema para nós. Isso se aplica a muitas áreas da teologia, da ética e da prática cristãs e responde a incontáveis objeções sobre diversos assuntos. Se os agentes de Deus não achavam que ressuscitar mortos que já estavam em alegria perfeita no céu era um problema, então não temos o direito de dizer o contrário. Se os agentes de Deus acharam perfeitamente consistente com a misericórdia de Deus e com a ética cristã atender ao desejo “egoísta” dos enlutados, então nós estamos proibidos de elaborar um juízo superior. O que nos leva a outro princípio hermenêutico e ético crucial: se você inventa uma piedade maior do que a de Jesus, você é um fariseu condenado.

Uma pessoa cristã irá para o céu quer morra aos 90 anos, quer morra aos 9 anos. Ninguém está removendo essa felicidade ao conseguir a ressurreição do falecido. É apenas uma questão de tempo. E esse é o ponto mais importante: tempo. Deus quer que tenhamos tempo vivendo na terra. Ele quer curar nossas doenças, salvar-nos de ferimentos corporais, nutrir nossos corpos adequadamente e até trazer-nos de volta da morte a fim de nos saciar com longevidade, de completar o número dos nossos dias, de fazer-nos ver os nossos netos. Essas são bênçãos pactuais. Jesus Cristo derramou o seu sangue para colocá-las em vigor. O tempo de uma vida terrena é importante para Deus. O que nos leva a perguntar: para que serve esse tempo?

A resposta está nas palavras de Paulo precisamente no momento em que diz “viver é Cristo e morrer é lucro”. Sim, morrer é lucro, mas viver é Cristo. Isso não recebe tanta ênfase, mas é a escolha que Paulo faz no seu dilema. Ele quer partir e estar com Cristo, o que é muito melhor — “morrer é lucro”. No entanto, é importante que ele permaneça na carne para o benefício da igreja — “viver é Cristo”. E ele decidiu viver.

Note bem: Paulo disse que ele poderia escolher. Ele estava preso em Roma há quase dois anos e sua expectativa era ser inocentado para continuar viajando, pregando e abençoando a igreja. Se ele fosse condenado à morte por César, ele teria conquistado o seu lucro. Mas então ele nunca teria escrito as três epístolas pastorais. Talvez ele nem mesmo haveria conseguido escrever essa epístola aos Filipenses como a conhecemos. Ele não teria empreendido a sua quarta viagem missionária. Paulo sairia no lucro, mas e nós? E a igreja? E o evangelho na terra? E o reino de Deus? Tudo isso sofreria prejuízo.

Quando um bebê filho de pais cristãos morre — e aqui estou partindo do pressuposto de que Deus elege para a salvação aqueles que morrem bebês quando são gerados em uma família da aliança — a alma do bebê obtém lucro. Mas todo o potencial que ele realizaria como agente de Deus na terra escoa pelo ralo, sem falar das alegrias de que ele desfrutaria com a sua família. Quando um pai cristão ou uma mãe cristã morre aos 30 anos, tal alma está no lucro. Mas os seus filhos e o seu cônjuge estão no prejuízo. Nunca mais poderão receber a bênção dessa pessoa nem poderão abençoá-la. A edificação da família como um todo fica severamente prejudicada. Quando um evangelista morre jovem — não pelo poderoso testemunho do martírio, mas por uma causa qualquer — a pregação dos ensinamentos de Jesus sofre dano, e outras almas que poderiam ser convertidas permanecem debaixo da ira de Deus. O evangelista está feliz no céu, mas o seu trabalho relevante na terra foi interrompido. Jesus afirma que somos o sal da terra e a luz do mundo; a morte de um cristão representa um grão de sal a menos na terra e uma vela a menos no mundo. O mundo fica mais sombrio e mais perto do apodrecimento quando um cristão morre antes do tempo necessário para fazer render ao máximo os talentos do Mestre.

A vida terrena importa. Como Salomão diz:

Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe gostosamente o teu vinho, pois Deus já de antemão se agrada das tuas obras. Em todo tempo sejam alvas as tuas vestes, e jamais falte o óleo sobre a tua cabeça. Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias de tua vida fugaz, os quais Deus te deu debaixo do sol; porque esta é a tua porção nesta vida pelo trabalho com que te afadigaste debaixo do sol. Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma (Ec 9.7–10).

Não é egoísmo querer nossos amados de volta. Que eles vivam uma vida completa antes de partirem para a glória. Jesus, os profetas e os apóstolos deram valor a isso. Nenhum deles jamais sugeriu que aceitar a morte de um amado era a coisa certa a fazer. Eles trouxeram cura e vida por onde passaram. E nós devemos fazer o mesmo.

Aquelas ressurreições que não aconteceram foram consequência da falta de oração do enlutado. Quando o filho de Davi morreu, Davi parou de orar pela cura e disse claramente que não esperava nenhum retorno da morte (2Sm 12.23). Quando os filhos de Jó morreram, ele reconheceu o direito de Deus fazer isso, mas nunca orou pela ressurreição deles — e a sua inabilidade de esperar algo em Deus é um dos temas mais enfatizados nos seus discursos. Quando Deus matou Nadabe e Abiú, foi para condená-los e fazer deles um exemplo para os demais. Arão foi proibido até de chorar a morte deles (Lv 10.1–7). Mas o nosso assunto aqui é a ressurreição de cristãos que morreram sem sentido, que estavam intitulados às bênçãos da aliança e à promessa de Deus de ressuscitá-los milagrosamente quando houvesse fé para tanto. Nosso dever é estar do lado certo a esse respeito.

Quanto àqueles que defendem que devemos nos conformar com a morte, há um representante deles na Escritura: o mensageiro que veio da casa de Jairo para dizer: “Tua filha já morreu; por que ainda incomodas o Mestre?” (Mc 5.35). A resposta de Jesus foi: “Não temas, tão somente crê”. Duas abordagens diametralmente opostas. Você está do lado de quem? Jesus ordena a fé, mas quase toda a cristandade ordena “Não incomodes mais o Mestre”. Sabemos quem estava certo no final dessa história. E sabemos quem foi vindicado por Deus diante dos anjos e dos homens, bem como quem desapareceu das páginas da Escritura no instante em que disse para não incomodar o Mestre. Se você obedecer a Jesus, será glorificado com ele e testemunhará milagres grandiosos na terra. Se você achar que não precisa mais incomodar o Mestre quando a morte acontecer, então o seu estoicismo será o seu único galardão.

Conclusão: O Velório Cristão

Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração (Ec 7.2).

Salomão diz que a casa de luto é preferível à casa da festa, porque naquela vê-se qual é o fim da vida. Ele pronuncia essas palavras contrastando a tolice daqueles que estão sempre se divertindo e se distraindo com efemeridades com a sabedoria daqueles que aprendem a considerar a realidade inescapável da morte, que põem em perspectiva as prioridades da vida.

Neste livro, avaliamos como um cristão deve preencher a sua vida considerando que partirá para o céu um dia. A morte não torna a vida inútil ou vã; ao contrário, ela impõe sobre todos nós a obrigação de vivermos diante de Deus enquanto há tempo. A vida terrena é preciosa sob esse ângulo. E o tempo que Deus designou para essa vida não é aleatório ou imprevisível, antes é um tempo que alcança a velhice e que resiste aos ataques da morte apressada. Para garantir que o cristão desfrute de uma vida longa, alegre e produtiva, Deus nos deu o seu pacto, o seu próprio Filho e a garantia de milagres de cura, proteção, provisão e ressurreição.

A casa de luto é mais sábia do que a casa da festa, porém a casa de luto do cristão apresenta uma sabedoria avassaladora, incomparável, que nenhuma casa de luto pagã poderia plagiar. A casa de luto cristã é a única que pode se transformar em casa de festa. O Deus verdadeiro e vivo é aquele que transforma tristeza em alegria, pranto em festa (Sl 30.11). Ele fez isso nas Escrituras diversas vezes antes de Cristo, “durante” Cristo e depois de Cristo. Ele prometeu que aquele que crer nele fará as mesmas obras que ele fez e outras ainda maiores. Ele afirmou que, se tivermos fé, ordenaremos qualquer coisa. Ele garantiu que faria por nós tudo o que pedíssemos em oração. Milagres de ressurreição estão inclusos.

Essa não é uma questão trivial. A ideia de Deus comandando o sobrenatural para que a vida vença a morte está em toda a Escritura. A fé de Abraão, que é a fé arquetípica de todo o povo de Deus, requer que se creia na recepção de um morto de volta à vida. A aliança de Deus contém os termos pelos quais Deus prometeu que agiria. Ele promete a bênção da longevidade. Ele provou isso por meio de diversos milagres de ressurreição. Ele anexou o mandato de ressuscitar mortos na sua comissão evangelística. A ressurreição dos mortos não apenas no último dia, mas aqui e agora, está entretecida com o discipulado cristão comum.

Além disso, Deus provou que ele realmente atende ao choro dos enlutados provendo muito mais do que o conforto emocional: ele satisfaz o desejo verdadeiro do seu coração, que é ter o falecido de volta. Deus não exige estoicismo. Deus exige fé. E a fé bíblica não é para um conformismo, e sim para a mudança. A fé bíblica obtém vitória sobre as circunstâncias, alterando o mundo exterior. Ele faz isso por compaixão, por misericórdia, e assim estabeleceu qual é o seu padrão de misericórdia para regular o ministério cristão.

Jesus disse que os enlutados “veriam a glória de Deus” quando Lázaro ressuscitasse. Os milagres de ressurreição trazem glória a Deus. Eles realmente manifestam publicamente e inescapavelmente os atributos maravilhosos de Deus, o seu poder infinito, a sua bondade incomparável. Apenas apontar para a ressurreição final, que foi o primeiro pensamento de Marta, não mostra a glória de Deus para o hoje. Se somos tão ávidos por dizer Soli Deo Gloria para tudo, então não sejamos hipócritas elaborando uma teologia de estoicismo e cessacionismo que tire de Deus a glória de ressuscitar mortos no meio da casa de luto.

O nosso Deus ama estragar velórios. Ele condena a festa dos tolos, mas ele transforma os velórios dos fiéis em festa. O nosso Deus é assim. Ele se mostra exatamente assim na Escritura. Não há como argumentar contra isso sem incorrer em idolatria. Falsos deuses não fazem o que o nosso Deus faz, e ele é o mesmo ontem, hoje e sempre.

Agora você viu a real face dos consoladores cristãos mainstream. Com uma rápida e simples observação na Bíblia, sem complicações elitistas para distrair o seu raciocínio, você viu que foi iludido esse tempo todo. Meu desejo é que aqueles que são oficialmente mestres se arrependam de haverem sido tão cegos e tão omissos na guerra contra a morte. Se isso não acontecer, não espere por eles. Faça a sua parte. Pela fé, coloque um campo de força na sua casa e nos seus amigos que partilham da sua fé. Por menor que seja a sua esfera de ação, lembre- se de que o reino de Deus começa com uma pitada de fermento e cresce até levedar o mundo todo. Em breve, as funerárias começarão a perguntar por que é tão raro vender caixões de tamanho infantil para cristãos:

Por Jerusalém me regozijarei e em meu povo terei prazer; nunca mais se ouvirão nela voz de pranto e choro de tristeza. Nunca mais haverá nela uma criança que viva poucos dias, e um idoso que não complete os seus anos de idade; quem morrer aos cem anos ainda será jovem, e quem não chegar aos cem será maldito (Is 65.19–20, NVI).

Isso não é alegórico sobre o estado após o retorno de Cristo, uma vez que lá não haverá morte alguma. Esse é o efeito do avanço do reino de Deus pelo mundo já deste lado da história. Pela fé, nós podemos chegar lá. Pela fé, os 70 ou 80 anos do Salmo 90 podem se tornar 100 anos, e isso ainda ser pouco. O reino de Cristo tem esse potencial. Cabe a você perguntar a si mesmo onde está a sua fé.

— André de Mattos Duarte. O Deus Que Estraga Velórios: A esquecida oração pela ressureição dos mortos (2022).

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O Senhor Que Te Sara
O Senhor Que Te Sara

Written by O Senhor Que Te Sara

“Eu sou o SENHOR que te sara” (Êxodo 15:26). Despertando sua fé para o sobrenatural de Deus. Refutando o cessacionismo e outras doutrinas do incredulismo.

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