Milagres e Trivialidade
André de Mattos Duarte
Os teólogos de Satanás gostam de explicar os textos sobre milagres impondo como restrição alguma justificativa bastante grave para aquele milagre específico. Sempre o milagre era extremamente necessário, como um caso de vida ou morte, e apenas para autenticar uma nova revelação, para validar algum avanço na aliança, para ilustrar alguma verdade espiritual ou algo assim.
Ok, vamos fazer alguns testes.
Qual a justificativa para Eliseu fazer o machado flutuar? Nenhuma nova aliança estava sendo feita. Não era caso de vida ou morte. Não era nenhum julgamento cósmico. Era apenas um inconveniente. O homem poderia comprar outro machado. Pra que resolver por meio de milagre?
Quando Jesus tirou dinheiro da boca de um peixe, qual era a grande lição por trás? Que Deus nos ajuda a pagar impostos? Tudo bem, mas ele faz isso por milagre, ou apenas na providência secreta? Jesus fez um milagre para isso. Não precisava. Eles tinham bastante dinheiro na sacola. Se não tivessem, ele poderia ter feito alguma hora extra como carpinteiro, ou Pedro como pescador. Mas não. Jesus tirou dinheiro do nada, e não havia nada de mais acontecendo no fundo.
Jesus também andou sobre as águas. Pra quê? Qual a necessidade disso? Ele não estava ensinando nada. Não estava revelando nada. Ah, mas isso ensina que Jesus tem poder sobre os elementos. Ok, mas então por que ele chamou Pedro para andar também? Pedro não era o Deus-homem que tinha de se provar. Além disso, o andar sobre as águas não resolveu o problema de ninguém, porque a tempestade continuou acontecendo durante o episódio. Que milagre mais inútil! Não serviu pra nada e nem ensinou nada.
Jesus também secou uma figueira. Espere, essa eu sei a resposta! Ele queria ensinar sobre a apostasia e o julgamento contra Jerusalém, não é? Ok, mas ele podia ter ensinado isso sem fazer milagre nenhum. Ele poderia ter usado só as metáforas do Antigo Testamento no seu discurso e pronto. Não precisava desperdiçar uma árvore dessa maneira.
Não só isso, mas ele disse que qualquer um que tivesse fé poderia fazer a mesma coisa — secar uma árvore — e também plantar árvores em alto mar e remover montanhas. Qual revelação esse ensino pretende autenticar? Nós não somos deuses encarnados. Não somos divindades e nem messias para que tenhamos de nos provar. Mas nós podemos fazer esses milagres. Tá, mas qual a necessidade? Ora, mas esse é o ponto! Jesus quis escolher como exemplo um milagre totalmente desnecessário. Ele poderia ter dito que aquele que tiver fé iria curar enfermos e ressuscitar mortos. Podemos entender que esses milagres têm alguma importância, certo? Mas ele escolheu o mover montanhas porque quis. Reclame com ele então! E se era tão importante amaldiçoar a figueira para ensinar sobre a apostasia de Jerusalém, então será que eu posso usar essa justificativa também? Se eu estiver dando um sermão sobre qualquer coisa, eu posso então mover uma montanha para ilustrar o meu ponto espiritual? Será que os teólogos do Diabo me autorizam?
Resultado da análise: milagres não precisam de boas razões pra acontecerem. Se você tiver fé, você pode fazer um milagre apenas para facilitar a sua vida, ou apenas porque você está a fim. E Deus se glorifica tranquilamente nesses milagres também.
— André de Mattos Duarte