Duas Verdades sobre a Fé da Mulher Siro-Fenícia
Levantando-se Jesus, saiu dali e foi para as terras de Tiro e Sidom. Tendo entrado numa casa, não queria que ninguém soubesse onde ele estava. No entanto, não pôde ocultar-se, porque uma mulher, cuja filhinha estava possuída de espírito imundo, logo ouviu falar a respeito de Jesus. Ela veio e se ajoelhou aos pés dele. Essa mulher era estrangeira, de origem siro-fenícia, e pedia a Jesus que expulsasse o demônio da sua filha. (Marcos 7:24-26)
Uma das coisas que mais me impactou sobre o Evangelho nos últimos anos é a verdade de que em muitas ocasiões o primeiro motivo para as pessoas se aproximarem de Jesus era a resolução certa de suas necessidades físicas e desejos, não necessariamente a salvação de suas almas. Esse caso reforça um fato curioso: contrário a muitos outros casos em que as pessoas, mesmo gentias (e.g. Mateus 8:5–7), receberam o pedido sem resistência, essa mulher recebeu seu pedido, mas com todas as mais sólidas e irrefutáveis razões teológicas e missionais para não receber. Isto é, ela foi capaz de, pelo argumento da fé, arrastar um milagre de cura, com tudo conspirando ao seu desfavor. Sendo assim, muito além da chocante verdade de que Jesus estava quase sempre disposto para responder o simples pedido do necessitado, a fé poderia receber de Jesus mesmo em uma situação que Ele falou que “não era da vontade de Deus” aquilo acontecer a ela naquele momento.
Esse texto nos ensina algumas verdades. Dentre elas, destaco duas:
(1) Não é uma coisa egoísta pedir algo relacionado às necessidades físicas. A coisa parece óbvia, mas a seita incredulista incute sorrateiramente várias pressuposições diabólicas e estranhas sobre a natureza de Deus, sobre Jesus e sobre sua vontade na mente dos ouvintes. Algumas pessoas estão receosas, desconfiadas ou incrédulas sobre Deus. Elas esperam pouca coisa de Deus e fazem dessa base de confiança um reflexo daquilo que pensam da relação de Deus com elas. Algumas pessoas estão tão frustradas com algum problema que podem, inconscientemente, redefinir um problema, uma limitação, uma opressão como uma verdadeira bênção de Deus e, ou cinicamente ou enganando a si mesmos, louvam a Deus por uma suposta providência secreta de Deus para aquela situação em específico. O Evangelho torna tudo isso como coisas ou pensamentos muito estranhos ou muito enganosos. Por exemplo, o Evangelho fala que as enfermidades e/ou as limitações entre o povo (e.g. Marcos 9:14–29; Mateus 4:24) eram opressões diabólicas (Atos 10:38). Todavia, as pessoas estão chamando o mal em bem, e elas se dizem cristãs. Por qual razão essa hesitação? Por que a desconfiança? Essa mulher veio do centro do paganismo para receber de Jesus e eles, que vivem falando da aliança que tem com Deus, estão desconfiados do pão que está à mesa?! Ou vocês pensam que o pão da aliança está envenenado ou vocês realmente não estão à mesa, o que de todo modo não faz a menor diferença, você está em uma condição condenável e perigosa. A mulher se coloca como uma cachorrinha e consegue comer algo que cai da mesa, mas eles que se auto-denominam como “satisfeitos” em Cristo Jesus não pegam absolutamente nada. A mulher veio do centro do candomblé para exibir um entendimento sobre Cristo muito mais admirável que eles e ela não foi chamada egoísta. Perceba como o Evangelho está na direção oposta ao entendimento deles e de como fornece um caminho de esperança, restauração e libertação para a opressão, para a escravidão, para o que está destruído e o que está separado.
(2) As migalhas que ela recebeu têm sido muito mais substanciosas do que o suposto pão que muitos cristãos afirmam estar comendo. As migalhas significavam o pedido da mulher atendido, que apontavam para a necessidade de um milagre de cura para a sua filha. A mulher buscou um espaço no argumento divino, comeu muitas migalhas e recebeu o milagre para sua filha endemoninhada. Os cristãos, que receberam a promessa de estarem assentados nas regiões celestiais com toda sorte de bênçãos, não estão recebendo o pão? É porque não gostam do pão celestial, o alimento do Reino, a substância da bondade de Deus. É que eles estão comendo quase que literalmente o “pão que o diabo amassou”.
Não, não me venha com essa história de que está suportando um sofrimento que não é o de Cristo como uma marca de uma vida cristã de martírio. A mulher era pagã, mas amava sua filha. A mulher era pagã, mas sabia que a situação de sua filha era terrível e opressiva, mas o cristão quer chamar a ação diabólica de dádiva. A mulher pagã foi capaz de um discernimento mais profundo do que muitos cristãos com a revelação escrita de Deus em suas mãos. Ei, acorda! Levante-se! Ouça! Você não está nem mesmo debaixo da mesa do Reino. Quem estiver longe da mesa será lançado nas trevas exteriores (Mateus 8:12).
— Iury Tavares