Dízimo e Prosperidade

Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos. Desde os dias de vossos pais, vos desviastes dos meus estatutos e não os guardastes; tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós outros, diz o Senhor dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar? Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós, a nação toda. Trazei todos os dízimos à casa do Tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida. Por vossa causa, repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; a vossa vide no campo não será estéril, diz o Senhor dos Exércitos. Todas as nações vos chamarão felizes, porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o Senhor dos Exércitos. (Ml 3.6–12).
Essa é uma das mais famosas e exuberantes promessas de prosperidade da Bíblia. Nas mãos dos neopentecostais da terceira onda, tornou-se um texto bastante popular para uns e lançado no obscurecimento para outros. Como de costume, os cristãos tradicionais cometem o erro fundamental de lidar com o texto nos parâmetros de uma reação contra os neopentecostais, e não de acordo com os termos da própria Escritura. O fato é que o texto existe, é inspirado por Deus e carrega autoridade divina para exigir de nós fé e obediência.
Não obstante, sempre há tentativas de varrer o texto para debaixo do tapete. É escandalosa a facilidade com que os cristãos olham um texto e se perguntam se o texto ainda vale para nós hoje. Cessacionistas fazem isso com muitos textos que contêm promessas de milagres e de exercício de poderes sobrenaturais, e o fazem também com as promessas de prosperidade material. E, com relação à validade das leis de Deus, pactualistas e dispensacionalistas diferem na quantidade de conteúdo que relegam ao Antigo Testamento, mesmo carecendo de justificativas irrefutáveis. Como os fariseus do tempo de Jesus, estão sempre elaborando esquemas para descartar os mandamentos de Deus, enquanto aumentam na mesma proporção a quantidade de tradições humanas que impõem sobre a consciência da cristandade.
Curiosamente, os carismáticos, que são mais veementes na sua divisão dispensacionalista entre lei e graça, de modo a excluir quase todo o conteúdo da lei de Moisés, são também bastante insistentes na validade do dízimo e da promessa de prosperidade anexa. Dentro do seu esquema, que pressupõe rejeição do Antigo Testamento a menos que haja reiteração no Novo, eles não podem justificar por que os cristãos ainda estão vinculados ao dízimo. Por outro lado, os tradicionais também são inconsistentes ao afirmar a validade da lei do dízimo para hoje enquanto negam a promessa de prosperidade ligada a essa lei. Se Deus emitiu a lei e a promessa, por qual critério eles separam o que Deus uniu? Nenhum dos lados pode sustentar a sua posição, porém a posição bíblica é coerente e clara. E também há aqueles cristãos que rejeitam a lei do dízimo para o Novo Testamento — uma posição igualmente insustentável, dado que eles assumem sem justificativa o princípio de separação dispensacionalista entre lei e graça, e cometem o mesmo erro dos seus pares tradicionais e neopentecostais de arbitrariamente selecionar as leis que valem e as leis que expiraram.
A posição bíblica correta é teonômica: todas as leis do Antigo Testamento estão em pleno vigor, tanto quanto as suas promessas, a menos que haja alguma qualificação no Novo Testamento que reinterprete-as à luz da redenção cumprida por Cristo.¹ Nessas leis que são modificadas, geralmente para a abolição, encontram-se as que costumamos chamar de cerimoniais: o sacerdócio de Arão, o local específico de culto, o sistema de sacrifícios, as leis dietéticas, os rituais de purificação, a circuncisão. Todas as modificações podem ser demonstradas por textos explícitos do Novo Testamento. A lei do dízimo não aparece reinterpretada e nem abolida no Novo Testamento, tampouco os pressupostos da sua execução tornaram-se obsoletos, logo essa lei continua obrigatória para os cristãos hoje. Do mesmo modo, as promessas de prosperidade não apenas não foram abolidas, mas foram expressamente reiteradas, logo devemos crer nelas, orar por elas e pregar sobre elas.
O maior problema da cristandade com o dízimo é que quase ninguém entende o que é o dízimo. Veja, o mero fato de inserir cédulas no envelope da igreja ou de fazer uma transferência para a conta bancária da igreja não significa necessariamente que você está dando o dízimo bíblico. Ademais, essa não é a única maneira certa de dar o dízimo. Isso porque o dízimo não é monopólio da igreja, mas pertence a todas as agências que vivem de promover o reino de Deus, das quais a igreja é apenas uma. Além disso, o dízimo é o instrumento regular da prática da caridade bíblica. Resumindo, o dízimo é o imposto de Deus para a governança e a expansão do seu reino na terra por meio do seu povo.
Vou expor aqui, da maneira mais resumida possível, as regulações de Deus para o dízimo. Recomendo a leitura dos livros de R. J. Rushdoony² sobre o assunto, pois não há ninguém mais competente do que ele para dissecar esse tema.
O ritmo de trabalho e produção em Israel obedecia a um ciclo de sete anos: seis de trabalho e um de descanso, refletindo em escala maior o delineamento dos dias da semana. A cada sete ciclos de sete anos, isto é, no quinquagésimo ano, a terra desfrutava de outro sábado anual, emendando ao quadragésimo nono ano, e proclamando a libertação dos escravos, o perdão das dívidas e a devolução das terras vendidas. Era o ano do jubileu. Concluído esse longo sábado de dois anos, a contagem dos ciclos de sete anos reiniciava.
Havia três dízimos regulares para Israel. O primeiro dízimo era destinado aos levitas, a fim de subsidiar o seu trabalho como prestadores de serviço. O serviço dos levitas era o ensino da lei de Deus. Logo, o dízimo era a taxa de subsídio para todo o serviço docente religioso na terra. Desse dízimo, os levitas deveriam repassar o seu próprio dízimo aos sacerdotes — o dízimo do dízimo — para manter o serviço sacerdotal no templo. Apenas isso já basta para provar que o serviço eclesiástico, a manutenção do culto, longe de monopolizar os dízimos, recebia uma porção mínima dos dízimos — noventa por cento desse primeiro dízimo era destinado para fora dos serviços de culto púbico, para aqueles docentes da Palavra de Deus que exerciam sua função em seus próprios lugares por toda a terra.
O segundo dízimo era levado pelas famílias perante a cidade santa na Festa dos Tabernáculos. As famílias deveriam levar o dízimo dos produtos da terra e os primogênitos dos animais, caso possível, ou, se fosse muito incômodo, deveriam vender os seus dízimos, levar o dinheiro equivalente e recomprar esses produtos no local de destino. Era dessas transações que os comerciantes no templo enfrentados por Jesus estavam abusando. Qual a destinação desse dízimo? A própria família, junto aos seus compatriotas levitas. A ideia era patrocinar a festa comunitária em uma grande celebração de comunhão. Os despossuídos e os levitas se beneficiavam desse exercício fraterno. Mesmo as festas seculares de hoje não raro são organizadas de modo que cada convidado leva algum alimento ou dinheiro, para o benefício de todo mundo. No caso de Israel, os pobres não precisavam se sentir constrangidos por não poderem levar uma quantia significativa, pois todos estavam juntos, partilhando tudo, em alegria diante do Senhor. Muito semelhante à ceia do Novo Testamento — isto é, à ceia original descrita em 1Coríntios, não à versão em miniatura e sisudez praticada pelas igrejas. De certo modo, quando as famílias cristãs comemoram feriados como o Natal ou o Thanksgiving Day com uma festa regada a muita comida, e repartem com algum pobre ou com o pastor, estão fazendo algo muito parecido com essa lei do segundo dízimo.
O primeiro e o segundo dízimos eram dados todo ano. Já o terceiro dízimo, conhecido na literatura como o “dízimo dos pobres”, era dado a cada três anos, e o seu destino era principalmente os pobres da terra — a viúva, o órfão, o estrangeiro, e também os levitas. Todos esses dízimos não excluíam as demais leis relativas à caridade (ex: a lei da respiga) e nem as demais ofertas obrigatórias e voluntárias ordenadas pela lei de Deus.
A correspondência dos dízimos com o ciclo de sete anos funcionava da seguinte forma: no terceiro e no sexto ano, valia o terceiro dízimo. O primeiro dízimo era dado por seis anos. Tanto o primeiro quanto o terceiro dízimo estavam excluídos do sétimo ano, porque, sendo um ano sabático, sem nenhum trabalho sobre a terra, os israelitas deveriam permitir que os levitas e os pobres comessem livremente do que Deus fizesse brotar da terra. Quanto ao segundo dízimo, certamente ele era obrigatório todos os anos, porque a festa acontecia em todos os anos.
Esses eram os dízimos da lei de Deus. Agora, vamos a outros pontos. Como era calculado o dízimo? Rushdoony defende que o dízimo era “arredondado para baixo” quando o quociente da divisão não fosse inteiro. Afinal, estamos falando de produtos agrícolas e de animais, os quais nem sempre podem ser divididos por dez. Assim, para ilustrar, se um homem tivesse 16 bois, apenas 1 boi era dado como dízimo, e o resto da divisão (6 bois) permanecia com o dono.³ Essa medida favorecia os contribuintes, e era fruto da benevolência de Deus (Lv 27.32).
Em outro lugar, Rushdoony defende que o dízimo era calculado não sobre o patrimônio, e sim sobre a receita bruta. Assim, no momento de pagar o dízimo, o proprietário calcularia apenas sobre o incremento, e não sobre o capital já existente. Se um homem tivesse 20 bois em um ano e, doze meses depois, chegasse a 50, ele daria 3 bois, que é o dízimo dos 30 que ele ganhou. Agora, se esses 30 fossem, na verdade, o resultado de haverem nascido 40 e morrido 10, então o dízimo era dos 40. Isso porque Deus exige, como princípio, as primícias da nossa renda.⁴ O dízimo deve ser separado antes de fazermos qualquer outra coisa com a nossa receita. Em termos modernos, isso significa duas coisas: primeiro, que devemos dar o dízimo do nosso salário, e não de nossos bens patrimoniais ou de valores poupados; segundo, que o dízimo deve ser sobre todo o salário recebido, e não sobre o valor que restar após pagarmos as contas.
Ainda sobre o cálculo do dízimo, algumas pessoas hoje se perguntam se o dízimo deve ser deduzido do nosso salário bruto ou do líquido. Essa dificuldade não existia em Israel, porque não havia imposto compulsório até Saul aparecer. Algumas pessoas defendem que a base deve ser o salário bruto, porque o dízimo de Deus não deve ser afetado pelo que o Estado faz. Porém, isso é insustentável por algumas razões. Em primeiro lugar, porque quem realmente paga os impostos do nosso contracheque não somos nós, e sim os nossos empregadores. O valor nem chega à nossa conta bancária, mas é deduzido diretamente das despesas de pessoal das empresas. O valor do imposto não é algo que nós empregados pagamos, e sim aquele que deixamos de ganhar porque os nossos empregadores tiveram de repassar ao Estado. Em segundo lugar, porque o cálculo sobre o bruto torna o dízimo inviável a depender da carga tributária. Se, por exemplo, um Estado terrivelmente opressor cobrasse 90% de impostos, entregaríamos o restante em dízimos e ficaríamos sem nada — ironicamente, isso nos tornaria os beneficiários de direito dos próprios dízimos que pagamos. No caso de um autônomo, a primeira objeção seria resolvida, visto que é realmente o autônomo quem paga os impostos, e não um empregador. Mas a segunda objeção permanece. Falarei mais sobre o problema do imposto posteriormente. O importante aqui é que, uma vez que o imposto é compulsório e extraído com coerção, e uma vez que Deus proíbe a sonegação de impostos (Rm 13.7), devemos entender que o dízimo deve ser calculado sobre o salário líquido, que é de fato o salário que Deus colocou sob a nossa gestão. O imposto não deve ser considerado como parte do nosso salário.
Voltando a considerar os beneficiários do dízimo, é crucial observar que eles são descritos nos termos mais genéricos, isto é, os levitas e os pobres. O dizimista tinha muita liberdade ao selecionar o seu destinatário específico. Quais levitas? Quais pobres? Isso ficava sob a escolha do pagador. Provavelmente, ele escolheria aqueles levitas mais próximos de si, e mais diretamente envolvidos com a sua educação religiosa. Ele escolheria também os pobres que fossem mais próximos dele, em quem ele tivesse mais confiança. Não era uma entrega cega. Se os levitas do seu círculo próximo fossem infiéis ou incompetentes, ele poderia entregar o dízimo a outros levitas dignos. Se os pobres que ele conhecesse fossem vadios, ele poderia procurar outros pobres que realmente fossem necessitados. Sabendo que o dízimo pertencia “a Deus”, ele não poderia ser desperdiçado.
É isso que falta no imaginário cristão sobre o dízimo. Quase todos os cristãos acham que o dízimo pertence à igreja, e que a única responsabilidade do dizimista é colocar o dinheiro no envelope ou fazer a transferência. Eles sinceramente pensam que isso exaure o seu dever como dizimistas, e que a gestão dos dízimos é apenas um problema entre os receptores e Deus. O oposto é verdadeiro: o dízimo pertence a Deus, não à igreja, e com certeza não a qualquer instituição que se chame de igreja. O dízimo é um pagamento inteligente e consciente. O cristão precisa avaliar qual é a melhor maneira de dá-lo, mantendo-se dentro dos parâmetros de Deus. Nisso, há espaço para muita liberdade e para um dedicado exercício de imaginação e investigação. O dízimo é o imposto de Deus para sustentar todo o sistema educacional bíblico e toda a assistência social bíblica. É muito mais do que o capital de giro das igrejas.
Em realidade, entregar os dízimos apenas às igrejas não estaria tão errado se as igrejas ao menos fizessem o que Deus manda fazer. Por exemplo, a assistência social. Muitas igrejas mantêm obras de caridade com regularidade ou fazem campanhas específicas, mas raramente elas obedecem aos critérios bíblicos. A Bíblia diz, por exemplo, que as pessoas que se recusam a trabalhar devem morrer de fome (2Ts 3.10). Ela diz também que, se uma viúva tem filhos, os seus filhos é que devem cuidar dela; se for jovem, deve se casar de novo. Além disso, as viúvas dignas do sustento da igreja são aquelas que se distinguiram por suas boas obras, o que indica que a igreja não deve fazer caridade para sustentar pessoas de mau caráter. No entanto, após todos esses filtros, é fato que a igreja é a agência responsável por sustentar as suas viúvas “verdadeiramente viúvas” (1Tm 5.3–16). A igreja é a agência de previdência e pensão para os seus membros.
Outro exemplo: fundos para adoção. A igreja primitiva conseguiu virtualmente abolir os abortos e o abandono de bebês no império romano simplesmente adotando-os, e assim constrangendo até os inimigos do evangelho. Os cristãos deveriam adotar muito mais, e a doutrina da adoção deveria receber muito mais ênfase nos sermões. Como a adoção tornou-se um processo estatizado, burocrático e caro, as igrejas deveriam usar os dízimos para pagar esses custos. Assim, todo cristão teria condição de adotar, sem se preocupar com os gastos do processo.
Mais um exemplo, e esse é bastante explícito: a educação cristã. Se os levitas eram os principais receptores dos dízimos e se o trabalho deles era o ensino da Palavra de Deus, então toda a docência cristã deveria ser patrocinada pelos dízimos. Isso inclui escolas cristãs, professores particulares cristãos, seminários e, algum dia pela graça de Deus, universidades cristãs. Desde que, é claro, o ensino for de fato cristão e bíblico, e não humanista. Nenhum cristão deveria ter de pagar mensalidades se quisesse cursar um seminário. Professores que prestassem assistência docente a pais cristãos homeschoolers também deveriam ser assalariados pelos dízimos. Use a sua imaginação: há uma infinidade de serviços educacionais, assistenciais e de seguridade que deveriam ser custeados pelos dízimos — e, reitero, sem prejuízo de ofertas voluntárias.
Talvez você pense que os dízimos nunca conseguiriam cobrir todas essas despesas, mas isso não é verdade. Há vários problemas com a gestão do dízimo atual que, se resolvidos, liberariam os recursos para todas essas aplicações que são aprovadas por Deus. Primeiro, os cristãos não são fiéis ao dar o dízimo. Há muitos cristãos que não dão, ou que dão menos de 10%, ou que são irregulares e desorganizados. Segundo, uma vez que os dízimos são monopolizados pela igreja, e a igreja raramente tem consciência da abrangência de suas responsabilidades conforme descrevi acima, o resultado é que os dízimos ficam frequentemente aplicados em coisas supérfluas, como eventos sociais, terrenos mal utilizados, equipamentos caros. Veja bem, eu não sou contra uma igreja investir em conforto, mas certas prioridades precisam ser respeitadas. Se uma igreja pode oferecer espaços confortáveis, então ela deveria utilizá-los melhor. Por exemplo, há templos com diversas salas que ficam vazias a semana inteira, e abrem apenas por 2 ou 3 horas nos domingos para EBDs e berçários. Poderiam ser utilizadas todos os dias para o funcionamento de escolas cristãs. Terceiro, a carga tributária do Estado destrói em muito a eficiência do dízimo.
O primeiro e o segundo problemas estão sob a responsabilidade direta dos cristãos para resolverem, mas esse terceiro problema é mais complexo, porque Deus proíbe os cristãos de sonegarem impostos. É importante compreender que os impostos do Estado são um resultado da apostasia, e que essa mesma apostasia irá depois se valer da desculpa dos impostos para se perpetuar.
Leia atentamente 1Samuel 8. O rei “semelhante ao das outras nações” iria instituir, pela primeira vez em Israel, o imposto de renda e o imposto sobre a propriedade, dentre outras coisas. A lei de Deus não autoriza esses impostos. Muito pelo contrário, a lei do dízimo é embasada na verdade de que somente Deus é o dono de toda a terra e, por isso, somente ele tem o direito de taxá-la. Mas foram a apostasia do povo e sua rejeição a Deus que os levaram a pedir um rei não sob Deus, mas como substituto de Deus. Quando Deus avisou o que esse rei faria, o povo aceitou e até insistiu. Eles aceitaram pagar os seus dízimos ao rei. Deus deixou muito claro que esse imposto estatal de 10% oprimiria o povo de modo tal que eles clamariam a Deus por libertação, mas não seriam atendidos. Ora, para um governante cobrar um imposto de 10%, ele está se fazendo igual a Deus, exigindo uma taxa como a de Deus. Mas hoje nós pagamos entre 40% e 50% de impostos, somando todas as coisas. Nós temos um Estado que se julga incomparavelmente maior e mais digno do que Deus, e a blasfêmia de tal usurpação é muito mais grosseira do que a de Saul.
A aceitação do imposto provém necessariamente da idolatria, de o povo colocar o Estado no lugar de Deus. Assim, se os cristãos precisam pagar tantos impostos e veem maior dificuldade para dar o dízimo, eles precisam reconhecer que esse é o resultado de muitas gerações de incredulidade e desobediência. Dar o dízimo torna-se mais difícil após pagar tantos impostos, mas essa dificuldade é a consequência da prévia retenção dos dízimos, e não a causa. Se os cristãos não suportam a educação, a assistência e a caridade com seus dízimos, o Estado tomará para si esse encargo, cobrando muito mais caro do que Deus. Assim, o único modo de sair dessa condição de opressão pelo Estado de bem-estar social é insistindo em dar o dízimo, e dá-lo inteligentemente para os fins piedosos ordenados por Deus. Não há alternativa.
Acrescenta-se um último problema, que é o fato de que quase todas as igrejas são sinagogas de Satanás ou, se formos generosos, igrejas com graves transgressões. Dar o dízimo para essas igrejas não é “dar a Deus”, mas pode ser o oposto — entregar a Satanás o que é de Deus. Pastores que ensinam heresias não deveriam receber salário. Igrejas que mantêm doutrinas e práticas blasfemas não estão intituladas ao dízimo de Deus. Apenas isso já liberaria quase todos os dízimos para destinos verdadeiramente legítimos. As igrejas cessacionistas, dispensacionalistas, arminianas e muitas outras iriam falir, e não há problema nenhum com isso. Deus merece representantes melhores.
Volte ao texto de Malaquias. Ele faz muito mais sentido agora que o significado do dízimo ficou esclarecido. A promessa de prosperidade não está garantida só porque você coloca algumas cédulas em um envelope com a inscrição “Dízimo” em uma organização que se chama de igreja. Você precisa definir qual é a maneira mais eficiente de aplicar o seu dízimo, e você terá de fazer uma escolha consciente.
Portanto, o caminho para a restauração dos dízimos é este: primeiro, os pastores precisam ensinar sobre isso. Eles têm a obrigação de pregar sobre o dízimo e de comandar os cristãos a pagá-lo, não necessariamente à igreja, mas a todos os equivalentes a levitas e pobres da terra. Os cristãos que retêm os dízimos devem ser repreendidos com esse texto de Malaquias. Se um pastor se acanha de falar sobre o assunto com clareza, detalhamento e autoridade por medo de ser confundido com os neopentecostais, então ele não é digno do seu ofício, pois está de fato se envergonhando de Deus e da sua Palavra, e o Filho de Deus também se envergonhará dele diante do Pai no último dia. Segundo, os cristãos precisam se responsabilizar pelos seus dízimos, em lugar de terceirizar a responsabilidade à igreja. Eles devem cortar a verba das falsas igrejas e aplicar os seus dízimos com intenção consciente nas áreas de docência, assistência e seguridade com parâmetros bíblicos. Eles podem inclusive iniciar projetos próprios. Terceiro, todos os cristãos, inclusive os pastores, devem renunciar à sua esperança no Estado como provedor de assistencialismo, arrepender-se diante de Deus e cumprir os seus deveres com os dízimos independentemente do que o Estado fizer ou oferecer.
Quanto à expressão “casa do tesouro” em Malaquias, não há nenhuma evidência de que isso se refira ao templo. O templo não era o único local de destino dos dízimos. Ao que tudo indica, eram os levitas que faziam a distribuição dos dízimos, uma vez que se requer deles o dízimo dos dízimos para os sacerdotes. Para isso, era necessário estocar os dízimos em algum lugar. A expressão pode se referir a qualquer armazém. Essa palavra do profeta não pode ser inconsistente com as leis do dízimo no Pentateuco. O importante não é identificar exatamente qual edifício era a “casa do tesouro”, e sim pagar os dízimos para os destinos aos quais eles são devidos. Que as igrejas chamem os seus edifícios de “casa do tesouro” é algo que apenas revela ainda mais como a mentalidade dos pastores é parcial e mal-informada.
Com a devida compreensão sobre os dízimos em mente, agora sim estamos prontos para declarar a promessa de prosperidade. Perceba que o erro dos neopentecostais não é a crença nessa promessa, e sim o fato de que eles não estão dando o dízimo bíblico. A promessa é feita para quem paga o verdadeiro dízimo a Deus, não para quem financia falsos mestres sob a alegação de dar o dízimo.
A prosperidade extravagante que Deus promete é, na verdade, uma reiteração das bênçãos de Deuteronômio 28. “Abrir as janelas do céu” significa enviar chuvas em abundância para que haja fartura de alimentos. “Repreender o devorador” refere-se ao gafanhoto, uma das piores pragas para o sustento de qualquer nação.⁵ Assim, Deus promete que não apenas eliminaria a fome, mas daria muito mais do que o necessário — bênção sem medida, uma felicidade notada pelas outras nações, uma terra aprazível.
Os termos da prosperidade são agrários, assim como o dízimo era de uma produção agrária. É comum sentir dificuldade para transpor esses termos para a nossa realidade de capitalismo financeiro. Essa é uma das razões pelas quais alguns cristãos pensam que o dízimo não pode mais ser dado conforme os parâmetros bíblicos. Mas esse problema é superestimado. O fato é que os termos definidores do dízimo são perfeitamente inteligíveis para a nossa realidade, pois eles são econômicos antes de serem agrários. Assim, as ideias de produção, renda, trabalho, periodicidade, cálculo e sustento permanecem normalmente aplicáveis. Os beneficiários do dízimo também não são difíceis de identificar: os levitas são todos os docentes da Escritura, os sacerdotes são aqueles docentes concentrados nas igrejas — isto é, os pastores e missionários — e os pobres não mudaram. (Minha argumentação a respeito dos levitas e sacerdotes como professores e pastores está no meu livro O Espírito da Profecia.)
Semelhantemente, a promessa de prosperidade não se torna obsoleta por causa das mudanças no nosso modo de viver. Em primeiro lugar, o fato é que continuamos dependentes da prosperidade agrária tanto quanto antes. Nós temos necessidade de comer e beber como os antigos. Assim, a abundância de chuva e a ausência de pragas continuam sendo relevantes. Os homens têm as suas alternativas para combater as pragas, para fertilizar o solo e para irrigar os campos, mas isso não torna a promessa de Deus dispensável. Para conseguirem essas coisas, os homens precisam gastar muito dinheiro e fazer alterações radicais no meio ambiente, nem sempre com procedimentos sábios. E mesmo assim, gafanhotos e secas ainda são uma ameaça. Nada do que os homens fazem pode se equiparar à magnitude do que Deus promete fazer por milagres.
Em segundo lugar, mesmo na realidade do capitalismo financeiro, os princípios da promessa de Deus se realizam. Algumas pessoas despendem muito esforço tentando identificar o que é o “devorador” de hoje, muitas vezes identificando com a inflação. O raciocínio faz algum sentido, mas sua conclusão não precisa ser tão estreita. A inflação não é a única coisa que destrói a renda. Catástrofes naturais, ladrões, acidentes e despesas médicas também fazem isso. Às vezes, o trabalho de uma pessoa simplesmente não rende, por mais que ela se esforce. Todos esses problemas são “repreendidos” por Deus. Essa interpretação é condizente com várias promessas específicas da Bíblia: o Salmo 91 afirma proteção contra violência e doenças, e os Provérbios prometem que o trabalhador diligente e justo realmente irá enriquecer, e acumular herança até para os seus netos.
E sabe o que mais corrói a nossa renda? Os impostos de César. Como argumentei acima, muitos cristãos deixam de pagar os dízimos ou de administrá-los biblicamente sob a desculpa de que já pagam muitos impostos, no entanto a relação causal é inversa: é por causa da retenção dos dízimos que Deus impõe um Estado opressor que toma a nossa produção à força. Mas um povo que se volta a Deus em arrependimento e prova que reconhece Deus como o único Rei da terra por meio de pagar os dízimos será certamente livrado por Deus da usurpação de César.
Pode-se objetar que essa promessa de prosperidade só faz sentido se toda a nação estiver fazendo isso. Afinal, todos os seus termos abrangem a terra como um todo: as chuvas e os gafanhotos afetam todo um povo por igual, e os outros povos chamarão de “terra deleitosa”. Então, se apenas um indivíduo der o dízimo fielmente em uma nação de infiéis, pode ele usufruir da promessa de prosperidade enquanto os demais permanecem sob maldição? A resposta é sim, pois a Escritura sempre individualiza as promessas de Deus: “Caiam mil ao teu lado; dez mil à tua direita, tu não serás atingido” (Sl 91.7). As mesmas promessas de Deus que são declaradas em termos nacionais são também reiteradas para indivíduos, principalmente nos Salmos e nos Provérbios, como veremos posteriormente. É claro que a bênção de Deus é multiplicada quando todo um povo lhe obedece, mas um indivíduo ou uma família fiel ainda desfruta significativamente das promessas de Deus mesmo que toda a nação tenha caído em apostasia.
Resta ainda dizer que o pagamento dos dízimos é apenas uma, e não a única, condição para a prosperidade. O dever de pagar o dízimo simboliza que todo o nosso dinheiro pertence a Deus. Logo, pagar o dízimo não exime ninguém de gerir o restante das suas riquezas de modo agradável a Deus. É óbvio que, se uma pessoa paga o dízimo, mas gasta o restante do seu dinheiro com prostitutas e drogas, a maldição permanece sobre ela.
A Palavra de Deus é clara: a prosperidade material de uma pessoa ou de todo um povo depende da fidelidade nos dízimos. Nenhum cristão tem autorização para se envergonhar de declarar isso com veemência. Aqueles que se ressentem dessa doutrina julgam que Deus deve ser diferente do modo como que ele se revelou. Alegam que Deus não é um negociador, que Deus não pode ser manipulado, que Deus tem bênçãos espirituais muito mais importantes do que riquezas materiais. Tudo isso é pretexto para a desobediência. A verdade é que Deus pode exigir de nós o quanto ele quiser, pois ele é o Senhor de todas as riquezas. Se ele promete aumentar as riquezas que colocou em nossas mãos, é por causa da sua bondade e graça. Não faz nenhum sentido declarar a soberania e a graça de Deus e descartar os termos pelos quais ele declarou que exerceria esses atributos. No fundo, os cristãos que se sentem incomodados com a ênfase no dízimo ainda raciocinam como se o dinheiro fosse uma coisa muito “suja” para se relacionar com Deus. Isso é falsa piedade.
Assim como César cobra impostos, o Rei de César e de todos os reis também cobra o seu imposto, que é o dízimo da nossa renda. Sonegar o dízimo é sonegar o imposto de Deus, e por isso Malaquias chama esse pecado de “roubar a Deus”. A recusa ou a leniência em pagar os dízimos de acordo com as regulamentações de Deus é pecado de roubo. Isso torna o transgressor muito pior do que um ladrão comum. Ladrões são execrados pela sociedade porque roubam pessoas, mas o cristão que retém o dízimo rouba o próprio Deus, e por isso merece repreensão muito mais grave. A maldição de Deus paira sobre uma igreja que não dá dízimos e que não administra os dízimos do modo como Deus ordenou.
Se os neopentecostais causam tanta vergonha ao evangelho, então os demais cristãos precisam ainda mais pregar sobre o dízimo do modo bíblico, em lugar de suavizar, omitir e, na prática, permitir que os neopentecostais monopolizem o assunto. Não haverá avivamento no reino de Deus se as agências que operam no reino de Deus não tiverem fundos. Sem educação cristã, assistência cristã e seguridade cristã, não há progresso no reino de Deus, somente maldição, estagnação e obsolescência.
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¹ Cf. Theonomy in Christian Ethics e No Other Standard, de Greg Bahnsen.
² Principalmente The Institutes of Biblical Law, vol. 1, At Your Service e Tithing and Dominion. Mas quase todos os seus livros irão tocar nesse assunto.
³ The Institutes of Biblical Law, vol. 1.
⁴ Tithing and Dominion.
⁵ Para um relato vívido da horrível experiência com gafanhotos, veja À Beira do Riacho de Laura Ingalls Wilder.
— Poder do Alto