Curas e Novas Revelações: Uma Correlação Necessária?

André de Mattos Duarte

O Senhor Que Te Sara
6 min readFeb 12, 2023

De acordo com uma tese popular dos cessacionistas, a operação de milagres servia ao único propósito de autenticar nova revelação. Então, por exemplo, Deus quis se revelar ao povo de Israel e ordenar que Moisés escrevesse suas leis; para provar que essa revelação era legítima, ele fez diversos sinais e maravilhas no Egito e no deserto. Segundo esse raciocínio, a primeira vinda de Jesus foi marcada por muitos milagres para que a mensagem e a divindade de Jesus fossem claramente comprovadas. Uma vez que a sua nova mensagem estava plenamente estabelecida, então os dons milagrosos deixaram de ser necessários e, por isso, cessaram.

O texto mais importante em que essa tese procura se embasar é:

Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade (Hb 2.1–4).

Esse texto de Hebreus claramente diz que os milagres que Deus realizou testemunharam da veracidade da pregação de Jesus e dos discípulos. Além disso, o evangelho de João frequentemente apresenta os milagres de Jesus acompanhados de discursos nos quais ele instava a que todos cressem nele, vendo que ele fazia obras maravilhosas como as de Deus.

Que os milagres revelam quem Deus é e servem para confirmar a sua mensagem, isso é bastante claro. Mas a conclusão final dos cessacionistas falha em muitos pontos.

Primeiro: por esse raciocínio, a cessação dos milagres de cura depende da cessação das novas revelações. Portanto, eles precisam primeiro provar que não há mais novas revelações, que as profecias, línguas, visões e sonhos cessaram. Apesar dos seus árduos esforços, eles nunca conseguiram provar isso. Todos esses dons revelatórios estão anexados à promessa do batismo no Espírito Santo, de modo que eles só podem cessar se o Espírito Santo se retirar do seu povo. A própria Bíblia inerrante, infalível e perfeita garante que esses poderes irão continuar até o retomo de Cristo, segundo o texto de 1Coríntios 13 — o mesmo que, em um inacreditável surto de inversão semântica, é o favorito dos cessacionistas para argumentarem que as novas revelações cessaram! Infelizmente, não há espaço para eu me estender mais sobre isso.

Segundo: é obra da imaginação supor que a operação de milagres servia só (e somente só) a esse propósito autenticador. Quando foi que o próprio Deus impôs essa condição restritiva? Uma coisa é dizer que os milagres provam a revelação de Deus, outra coisa é dizer que Deus não faz milagres (de modo previsível, contínuo e patente) por nenhum outro motivo. Acontece que a Bíblia oferece sim um motivo muito simples para que Jesus fizesse tantos milagres, especialmente os da cura: compaixão.

Partindo Jesus dali, seguiram-no dois cegos, clamando: Tem compaixão de nós, Filho de Davi! Tendo ele entrado em casa, aproximaram-se os cegos, e Jesus lhes perguntou: Credes que eu posso fazer isso? Responderam-lhe: Sim, Senhor! Então, lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se-vos conforme a vossa fé (Mt 9.27–29).

E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades. Vendo ele as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam aflitas e exaustas como ovelhas que não têm pastor (Mt 9.35–36).

Aproximou-se dele um leproso rogando-lhe, de joelhos: Se quiseres, podes purificar-me. Jesus, profundamente compadecido, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: Quero, fica limpo! (Mc 1.40–41).

Mas a multidão os repreendia para que se calassem; eles, porém, gritavam cada vez mais: Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós! Então, parando Jesus, chamou-os e perguntou: Que quereis que eu vos faça? Responderam: Senhor, que se nos abram os olhos. Condoído, Jesus tocou-lhes os olhos, e imediatamente recuperaram a vista e o foram seguindo (Mt 20.31–34).

Ao entrar Jesus no barco, suplicava lhe o que fora endemoninhado que o deixasse estar com ele. Jesus, porém, não lho permitiu, mas ordenou-lhe: Vai para tua casa, para os teus. Anuncia-lhes tudo o que o Senhor te fez e como teve compaixão de ti (Mc 5.18–19).

Essa motivação já era celebrada desde o Antigo Testamento:

Então, na sua angústia, clamaram ao Senhor, e ele os livrou das suas tribulações. Enviou-lhes a sua palavra, e os sarou, e os livrou do que lhes era mortal. Rendam graças ao Senhor por sua bondade e por suas maravilhas para com os filhos dos homens! (SI 107.19–21).

Deus opera curas milagrosas não apenas para se provar, mas para manifestar seu amor e misericórdia para com os que o buscam. A misericórdia do Senhor dura para sempre, renova-se a cada manhã. Logo, se as curas cessaram, então cessou também a compaixão do Senhor. Eu me pergunto que tipo cristianismo concebe um Cristo que cortou o que era a principal expressão do seu amor no seu estado de humilhação agora que está no seu estado de exaltação, coroado de glória e honra. Talvez eles pensem que, uma vez que Cristo já conseguiu o que queria de reconhecimento, ele não se importa mais com o sofrimento das pessoas. A glória subiu à sua cabeça.

Outro motivo bem óbvio para Deus fazer milagres: glorificar a si mesmo. Nós vimos como as pessoas que testemunhavam os milagres de Jesus davam glória a Deus, e como Jesus disse que a cura do cego de João 9 — a cura, não a doença! — seria uma manifestação das obras de Deus. Quando Deus enviou as pragas contra o Egito, ele não fez isso só para provar aos israelitas que aquilo que ele tinha a dizer no deserto era verdade, mas também para se glorificar perante o faraó e todas as nações do mundo. A fama de Deus correu rapidamente, ao ponto de fazer Jericó nem tentar lutar pela sobrevivência. Logo, se os milagres de Deus cessaram ou foram reduzidos, então Deus está bem menos interessado em ser glorificado. Mas não consta na Escritura que Deus perderia esse interesse após o fechamento da Bíblia. Se os reformados enfatizam tanto que “tudo é para a glória de Deus”, então eles deveriam ser mais entusiastas por milagres do que qualquer das outras vertentes cristãs.

Mais um propósito da operação de curas milagrosas: a edificação da igreja. Esse é difícil de não ver, porque encontra-se bem no único texto bíblico que menciona “o dom de curar”, 1Coríntios 12. Paulo deixa claro que Deus conferiu dons e poderes diversos entre os crentes para que eles possam edificar uns aos outros e para que a soma dos seus diversos dons resultasse na expressão completa do corpo de Cristo na terra. Os operadores de milagres e de curas estão logo abaixo dos dons relacionados à proclamação da Palavra e acima de todos os demais (ou, no mínimo, em pé de igualdade com os demais). Para que a igreja possa ser operante na terra, para que os cristãos cumpram a missão de Cristo com excelência, convém que os crentes não desperdicem sua vida com enfermidades. A saúde é de total importância para a prática de toda boa obra. Por isso, a operação de curas continua sendo necessária. Paulo é enfático: ninguém pode dizer que não precisa do outro. Logo, se a operação de curas cessou, então a igreja já concluiu exitosamente o seu propósito na terra, em cujo caso ela só precisa fazer cultos de rotina pra passar o tempo até que Cristo volte. Suspeito que muitos cristãos achem isso mesmo, lá no fundo. Ou então, pode ser que os cristãos tenham atingido um nível de capacidade de trabalho para o reino de Deus tal que nem precisam estar saudáveis, algo que seria invejável para os próprios apóstolos. Ou talvez eles já tenham recebido corpos ressuscitados e estão além de qualquer doença.

Quando Jesus curou a mulher encurvada, ele disse que era adequado que ela recebesse a cura, pois era uma filha de Abraão. Deus não opera milagres apenas para autenticar novas revelações, mas também para cumprir suas antigas promessas. A mulher recebeu a cura não com base no que Jesus estava pregando no momento, mas com base na antiga revelação de Deus a Abraão, que prometeu uma descendência abençoada. Esse vínculo de dependência entre novas revelações e operação de milagres não existe. É pura fantasia dos cessacionistas.

E, já que é tão importante autenticar revelações, então mais um motivo para os cristãos continuarem operando milagres hoje a pregação bíblica só terá verdadeiro impacto no mundo quando for acompanhada desses testemunhos sobrenaturais. Deus não quis autenticar sua revelação final no Filho apenas no primeiro século. Ele deseja que, enquanto for relevante que Cristo seja pregado entre as nações, o testemunho dos milagres acompanhe a Palavra.

— André de Mattos Duarte. O Senhor Que Te Sara: A exposição completa da doutrina da cura bíblica. Editora Bibliomundi, 2021, pp. 216–222.

--

--

O Senhor Que Te Sara
O Senhor Que Te Sara

Written by O Senhor Que Te Sara

“Eu sou o SENHOR que te sara” (Êxodo 15:26). Despertando sua fé para o sobrenatural de Deus. Refutando o cessacionismo e outras doutrinas do incredulismo.

No responses yet