Agur: Um Contraexemplo?
Duas coisas te peço; não mas negues, antes que eu morra: afasta de mim a falsidade e a mentira; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; dá-me o pão que me for necessário; para não suceder que, estando eu farto, te negue e diga: Quem é o Senhor? Ou que, empobrecido, venha a furtar e profane o nome de Deus (Pv 30.7–9).
Essa oração de Agur é trazida com frequência como um neutralizador da teologia da prosperidade. Supostamente, uma vez que Agur explicitamente pede para não receber prosperidade, mas apenas “o pão necessário”, logo também é antibíblico que oremos por prosperidade, que nós a esperemos de Deus, e que afirmemos que prosperidade é uma promessa de Deus.
Se você leu somente esses versículos com atenção, e os tomou como o único texto relevante sobre o assunto, já de início pode perceber que a objeção não prova tudo o que pretende. Mesmo se o protesto dos tradicionais funcionar, o máximo que eles podem inferir desse texto é que nós não devemos pedir prosperidade a Deus — ele não diz nada sobre Deus conceder ou não prosperidade, e se ele o faz com base em uma promessa ou imprevisivelmente. Talvez seja errado pedir por prosperidade, mas Deus no-la dá mesmo assim. Logo, o dano que a objeção faz contra a teologia da prosperidade é praticamente irrisório.
No entanto, irei demonstrar que a objeção está totalmente mal-informada e mal formulada. Provarei que essa oração de Agur não traz absolutamente nenhum problema para a tese de que devemos pedir prosperidade a Deus e de fato crer que a receberemos. Há uma série de informações adicionais sobre essa oração que o próprio texto bíblico fornece, mas que nunca são levadas em consideração.
Antes de iniciar minha explicação positiva, cumpre-me denunciar o tipo de hermenêutica que está por trás dessa objeção. É uma hermenêutica que, no seu âmago, nega a coerência da Escritura. Ela usa um texto bíblico a respeito de um personagem particular e o usa como um contraexemplo de dezenas de outros textos que afirmam certas promessas que os intérpretes desejam descartar. Assim, nós lemos em toda a Escritura, e inclusive no próprio livro de Provérbios abundantemente, promessas de prosperidade e declarações positivas de orações por prosperidade. Há incontáveis textos demonstrando a mesma doutrina inequívoca. Mas os cessacionistas tomam esse único texto de Agur e o usam para vaporizar todos os demais, para reduzi-los à insignificância. Fazem a mesma coisa com as promessas de cura: apesar de haver textos por toda a Bíblia afirmando a certeza da cura milagrosa, com fundamentos inquestionáveis, os críticos tomam o exemplo do “espinho da carne” de Paulo ou a orientação a Timóteo para beber vinho como provas de que todos os demais textos não querem dizer o que dizem.⁹ O mero fato de lançarem a Bíblia contra si mesma já deveria ensejar disciplina eclesiástica e destituição do ministério. Claro, esse comportamento não é exclusivo dos cessacionistas: dispensacionalistas fazem a mesma coisa quando tomam o único texto do milênio em Apocalipse 20 e o forçam em todos os outros textos que afirmam a ressurreição de justos e ímpios no mesmo evento.
Uma maneira de solucionar esses supostos dilemas — que não são verdadeiros dilemas, dado que a Bíblia nunca se contradiz — é apelar à matemática: se cem textos bíblicos afirmam uma coisa, e apenas um texto afirma outra, logo os cem textos saem ganhando. Ao que parece, democraticamente. Muitos intérpretes leem a Bíblia dessa forma, embora não admitam explicitamente como estou demonstrando agora. Obviamente, isso é intolerável, pois assume que a Bíblia contém contradições. A atitude correta é declarar que todos os textos bíblicos são verdadeiros, pertinentes e inteligíveis.
Um último erro hermenêutico que permeia esse tipo de problema é a alegação de “exceção”. Então, se eu fosse tolo como os críticos, eu poderia facilmente alegar que Agur é uma “exceção” que confirma a regra da oração por prosperidade. Isso estaria de acordo com a prática de muitos teólogos “respeitáveis” e não soaria estranho para o leitor mediano. Mas eu me recuso a ser irresponsável e preguiçoso como eles. Qualquer um deveria perceber que há erros persistentes nessa abordagem. Primeiro, por qual autoridade eu digo que um texto é uma exceção a outro, a menos que a própria Bíblia afirme isso? Se a Bíblia não indica que uma instância é uma exceção a uma declaração geral, então o meu dever é repensar a minha teologia e entender melhor os textos, e não lançar o rótulo de exceção para maquiar a tensão que eu mesmo criei pela minha incompetência. Segundo: argumentar pela “exceção” não ajuda em nada a esclarecer a relevância do texto. Afinal, se há exceções para as regras declaradas por Deus, então como e por qual critério eu posso saber se uma instância específica faz parte das exceções ou da regra? Nesse caso, como eu posso saber se eu sou uma “exceção” como Agur ou se eu devo fazer parte da regra exposta no restante da Bíblia? Com frequência, a alegação de exceção serve apenas como uma desculpa para que o leitor projete a si mesmo na situação que lhe parece mais confortável. Se eu gosto da regra, estou de acordo com a regra; se não gosto, então eu sou uma exceção, pois, se há exceções na própria Bíblia, por que não posso ser uma delas? Tão conveniente.
Minha abordagem em todos os meus escritos é a única certa: interpretar todos os textos na máxima significância que o seu contexto permitir, e integrá-los harmonicamente em uma teologia coesa, sem o menor traço de tensão, paradoxo ou “mistério”. É a única maneira de honrar a Escritura como revelação de um Deus sábio. Isso não é difícil, mas requer uma leitura atenta e uma adesão estrita aos termos bíblicos, sem premissas mundanas intrometidas. Quando você se acostumar a interpretar a Bíblia dessa maneira, verá que as conclusões são muito mais suaves e satisfatórias do que as esquematizações artificiais dos teólogos da incredulidade.
Vamos enfim ao texto. Agur faz essa oração, pedindo que Deus não lhe dê nem pobreza nem riqueza. Agora, leia atentamente os motivos pelos quais ele orou nesses termos. Ele disse que a pobreza o levaria a roubar e que a riqueza o levaria à soberba e à apostasia. Reflita bem nisso. Veja se não há algo um tanto estranho nessas declarações.
Percebeu? Vou deixar mais explícito: Agur diz que, se ele tiver mais ou menos do que o necessário, sua devoção a Deus irá sucumbir. Em outras palavras, ele afirma que a sua fidelidade a Deus depende de ele ter a quantia certa de provisão material. O fator determinante para a sua espiritualidade é a quantidade de dinheiro. Isso lhe parece normal? Parece um bom exemplo de piedade a ser seguido? Agora que eu apresentei o texto sem o romance com que ele costuma aparecer nos sermões e nos comentários bíblicos, você já deve passar a vê-lo de outra forma. Mas eu mal comecei.
Claro, alguns cristãos são tão pessimistas sobre o progresso espiritual de um regenerado e consideram o sangue de Cristo tão ineficaz para a santificação que realmente acham que o normal de um cristão é ser moralmente suscetível às variações da provisão mesmo. Mas a Escritura nos mostra o contrário. Observe Paulo, por exemplo: ele deixou claro que sabe o que é viver com pouco e com muito, concluindo que “Tudo posso naquele que me fortalece”. Isto é, ele experimentou abundância e até fome e frio, mas nunca perdeu de vista que era o Senhor que o sustentava. Isso sim é um bom modelo!
Há outros ainda. Já vimos o exemplo de Davi, a quem Deus não somente enriqueceu, como também afirmou que estava disposto a dar muito mais se ele pedisse. Riquezas nunca foram um problema para Davi. Salomão é outro exemplo: mesmo após ser coroado de riquezas além dos sonhos de qualquer rei, nunca deixou que sua prosperidade o afastasse do caminho da justiça e da sabedoria. Claro, ele se desviou para outros deuses em certo momento, mas a Escritura atribui isso à influência das esposas pagãs, não à riqueza. E quanto a Abraão, um homem riquíssimo no seu tempo, e que foi escolhido como padrão de fé? Será que esquecemos também de Jabez, cuja oração por prosperidade foi atendida por Deus sem qualquer censura? Mas, por algum motivo misterioso, nenhum desses personagens é relevante. Só Agur serve.
Então Agur errou em orar dessa forma? Não, e não é tão simples. A sua oração foi inspirada por Deus e está registrada na Escritura para a nossa edificação. Mas há várias informações sobre Agur que também estão registradas e que nos mostram qual é o verdadeiro sentido de sua oração. E são essas informações que raramente são levadas em consideração. Veja, qualquer comentário bíblico vai dizer que a identidade de Agur é desconhecida. Mas nós não precisamos especular nada. Leia com atenção as palavras dele e observe que tipo de pessoa ele é.
Primeiro, observe como ele mesmo se apresenta:
Palavras de Agur, filho de Jaque, de Massá. Disse o homem: Fatiguei-me, ó Deus; fatiguei-me, ó Deus, e estou exausto porque sou demasiadamente estúpido para ser homem; não tenho inteligência de homem (Pv 30.1–2).
Não olhe para mim! Quem disse isso foi ele mesmo. Ele se sente exausto por causa da sua estupidez suprema. Foi assim que ele mesmo se definiu. Há uma declaração parecida no Salmo 73: o autor diz que, enquanto ele questionava a justiça de Deus por causa da prosperidade dos ímpios, ele tinha uma inteligência no nível dos animais. Afirma também que passou a entender tudo quando entrou no santuário de Deus, o que sugere que ele estava distante de Deus de certo modo. Agur parece ter problemas muito semelhantes de alheamento a Deus. De qualquer forma, é assim que ele admite ser: tão estúpido que mais parece um ser sub-humano.
Agora, normalmente, quando um teólogo explica essa declaração, ele o faz sob uma ótica de modéstia. Quer dizer, não é que Agur fosse realmente estúpido — na verdade, ele era muito sábio, e é próprio dos sábios ser humildes e reconhecer a sua grande estupidez. Essa abordagem é quase automática quando os cristãos leem textos como esse, mas ela é antibíblica. Ela flui da falsa modéstia mundana, e não dos ensinos bíblicos sobre sabedoria, humildade e autoconhecimento.
Para ilustrar o meu argumento, permita-me fazer uma digressão que se provará útil no final. Vamos analisar uma das mais populares “vacas sagradas”¹⁰ da tal “humildade” cristã. Você provavelmente já ouviu o seguinte: em 1Coríntios 15.9, Paulo diz que é o menor dos apóstolos. Alguns anos depois, quando escreveu Efésios, ele se reconheceu como o menor dos santos. E no final da sua vida e da sua carreira, ele se percebeu como o maior dos pecadores. Pausa para a comoção lacrimosa. Qual é a lição? Que, quanto mais avançada é a santificação, mais percebemos nossa depravação.
Existe alguma evidência bíblica para uma conexão entre essas três adjetivações, ou para que as disponhamos como degraus de uma mesma escada rumo à maturidade? Absolutamente nenhuma. As expressões “menor dos apóstolos” e “menor dos santos” são igualmente verdadeiras e fazem perfeito sentido nos seus contextos. A ampliação do denominador de “apóstolos” para “santos” não reflete um alargamento da sua consciência de pequenez. Apenas acontece que ele estava discutindo sobre o testemunho ocular dos apóstolos com os coríntios e falando sobre os privilégios de que todos os santos desfrutam em Cristo com os efésios. São assuntos diferentes. A sugestão implícita de que Paulo ainda não se achava o menor dos santos quando escreveu 1Coríntios é totalmente arbitrária. Essa teoria de que houve um refinamento da consciência é mera especulação.
E a leitura da expressão “principal dos pecadores” é ainda mais malfeita. Paulo diz que Cristo veio para salvar os pecadores, dos quais ele era o principal. Mas o que realmente o fez pensar que ele era o principal dos pecadores? Os versículos anteriores dizem: “a mim, que, noutro tempo, era blasfemo, e perseguidor, e insolente. Mas obtive misericórdia, pois o fiz na ignorância, na incredulidade” (1Tm 1.13). Ele se chama de principal dos pecadores em razão de quem ele foi no passado, na sua vida antes da conversão. A sua avaliação do seu presente é a de um ministro ordenado por Deus que foi considerado “fiel” (v. 12). Todo o seu argumento sobre o poder de Cristo na transformação de um homem depende do contraste entre o seu passado e o seu presente. Isso significa que Paulo não achava que ele era, naquela altura da sua santificação e após uma vida inteira de introspecção, o “principal dos pecadores”. Adicionalmente, observe que a razão pela qual ele se chama de “menor dos apóstolos” em 1Coríntios é exatamente a mesma: “porque persegui a igreja”. Portanto, ele não deprecia o seu eu presente, regenerado e santificado. Ele deprecia somente o seu eu passado e ímpio. Toda a tese comovente de que Paulo se achava tanto mais indigno quanto mais maduro cai aos pedaços diante da leitura normal e atenta dos textos. E, novamente, não existe nenhuma evidência de que Paulo não se achava o principal dos pecadores já desde 1Coríntios. Resumindo, as suas três expressões depreciativas são 1) referentes a quem ele foi enquanto ímpio, e não a quem ele era no presente, e 2) igualmente verdadeiras, adequadas aos seus contextos, e sem qualquer indício de progresso na autoconsciência.
Por que então os teólogos inventam essas conexões? Eles já pressupõem que o crescimento da santificação implica em um crescimento na autodepreciação. Mas isso contraria totalmente as Escrituras. Paulo diz em Romanos 12.3 que cada cristão precisa pensar de si mesmo na medida adequada segundo a proporção da sua fé — não que deve sempre pensar o pior possível.¹¹ Hebreus 9.9, 14 diz que o sangue de Cristo nos purifica até da consciência do pecado — não que ele nos leva a manter o pecado sempre na nossa consciência. E toda a caracterização que a Escritura faz dos cristãos é positiva. Observe como Paulo, Pedro e todos os escritores do Novo Testamento sempre encorajam os cristãos a pensarem positivamente sobre si mesmos à luz do chamado de Cristo. Citar as referências aqui acabaria resultando em colar porções enormes das epístolas. Como esse é um problema sistêmico, não posso tratar dele inteiramente aqui. Mas para o nosso presente propósito, essa digressão já foi suficiente.
Voltemos para Agur, o sujeito que se diz estúpido demais para ser humano. Assim como os teólogos inserem a premissa de que “quanto pior um cristão pensa sobre si mesmo, melhor” nas declarações de Paulo e de Agur, também inserem uma outra premissa injustificada aqui em Agur: a de que ele era verdadeiramente um homem sábio. Eles raciocinam da seguinte forma: Agur se diz muito estúpido, no entanto ele era sábio, logo a sua declaração deve ser interpretada em termos de humildade subjetiva. Mas quem disse que Agur era sábio? O fato de que ele aparece no livro de Provérbios não significa nada. Em Números, há inúmeras declarações de Moisés, mas há também declarações de Balaão inspiradas por Deus, o que não significa que Balaão era tão cristão quanto Moisés. Esse capítulo de Agur é Palavra de Deus, mas isso não implica que Agur era um homem sábio. Deus pode mover qualquer homem ou até um animal a proclamar palavras divinas. Assim, se Agur admite ser extremamente estúpido, não há razão para pensarmos o contrário.
Como que para especificar o nível de sua ignorância, veja o que ele complementa nos próximos versículos:
Não aprendi a sabedoria, nem tenho o conhecimento do Santo. Quem subiu ao céu e desceu? Quem encerrou os ventos nos seus punhos? Quem amarrou as águas na sua roupa? Quem estabeleceu todas as extremidades da terra? Qual é o seu nome, e qual é o nome de seu filho, se é que o sabes? (Pv 30.3–4).
Falsa modéstia beatificada? Certamente não. Agur era de fato estúpido e apresenta a prova disso. Ele não tinha o “conhecimento do Santo”. Isso não significa que ele desconhecia Deus completamente, uma vez que ele menciona princípios muito certeiros sobre a Palavra de Deus nos versículos 5 e 6. Além disso, ele faz diversas perguntas cuja resposta, se ele não soubesse que era Deus, pareceriam deslocadas desse contexto em que ele começa a falar sobre Deus até o versículo 6, logo antes da sua oração. Pela sua pergunta final, fica claro que aquilo que ele desconhecia sobre Deus era o seu nome e o nome do seu filho.
Isso nos indica não tão vagamente o tipo de entendimento sobre Deus que Agur tinha. Ele sabia o suficiente para saber que, se há algo para saber sobre Deus e a sua verdade, isso está contido na sua Palavra somente. Um excelente começo de discipulado com potencial para desenvolver o pleno alcance de sua sabedoria em germe. Além disso, ele sabe que Deus é o Criador e o provedor, como suas perguntas e sua oração indicam. O que faltava a ele era saber o nome de Deus. Agora, o nome de Deus não é nenhum mistério: ele o revelou para Moisés no monte Sinai. Como Deus mesmo explica, a revelação do seu nome era inaugural para Moisés, pois nem Abraão o conheceu assim. O nome de Deus é vinculado à sua aliança com o seu povo a partir de Moisés. Isso Agur não conhecia, embora todos os israelitas do seu tempo certamente conhecessem. Logo, o contato que Agur tinha com a revelação de Deus era de algum modo muito distante. Ele sabia pouquíssimo, talvez como um gentio que apenas havia ouvido falar brevemente sobre Deus, e procurou erigir a sua piedade e suas reflexões na base desse pouco. Mas se ele não conhecia o nome de Deus, então ele certamente não conhecia as promessas de Deus. Ele não conhecia, portanto, as suas promessas de prosperidade. Quanto ao nome do Filho de Deus, isso em realidade nenhum cristão poderia conhecer até que o anjo anunciasse o seu nascimento: Jesus.
Novamente: essas declarações de ignorância sobre Deus são mera “humildade” no sentido subjetivo que os teólogos insistem? Quer dizer, será que Agur realmente sabia bastante sobre Deus, mas admitiu ser ignorante em termos hiperbólicos? Certamente não, e temos muitos exemplos bíblicos provando que essa “humildade” falsa não é a atitude cristã.
O próprio Salomão escreveu diversas vezes nos Provérbios que a sabedoria é de fato uma dádiva de Deus a todos os que ouvem as suas palavras. Em Eclesiastes 1.16, ele diz explicitamente que adquiriu mais sabedoria do que todos os seus antecessores. Não há problema nenhum com essa declaração, pois ela é objetivamente verdadeira e ancorada na revelação incontestável de Deus. Moisés já havia dito que os mandamentos de Deus tornariam a nação tão sábia que todas as outras nações ao redor ficariam impressionadas e atraídas. Tiago nos diz que, se alguém não tem sabedoria, basta pedir a Deus, que a todos dá livremente (1.5). Mas a mais completa e veemente declaração sobre esse assunto foi dada por Paulo:
Entretanto, expomos sabedoria entre os experimentados; não, porém, a sabedoria deste século, nem a dos poderosos desta época, que se reduzem a nada; mas falamos a sabedoria de Deus em mistério, outrora oculta, a qual Deus preordenou desde a eternidade para a nossa glória; sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória; mas, como está escrito: Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus. Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus, ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus. Ora, nós não temos recebido o espírito do mundo, e sim o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente. Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito, conferindo coisas espirituais com espirituais. Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Porém o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. Pois quem conheceu a mente do Senhor, que o possa instruir? Nós, porém, temos a mente de Cristo (1Co 2.6–16).
Depois, ele afirma sem rodeios que, embora não possua eloquência, não é falto de conhecimento (2Co 11.6).
Há muitos outros exemplos, mas esses já são suficientes. O fato é que um cristão tem todo o respaldo bíblico para se dizer sábio, não por sê-lo aos próprios olhos, mas pela operação de Deus no seu intelecto quando o regenerou pelo Espírito. A verdade é que nós temos sim o conhecimento de Deus. Se dissermos que não conhecemos Deus, nem mesmo algo tão básico como o seu nome, então negamos todos os efeitos transformadores do seu poder em nós. Se Agur disse que não tinha conhecimento de Deus, ele disse a verdade objetiva. Mas nós, que temos a Escritura completa e a iluminação do Espírito Santo, com certeza conhecemos muitas coisas que Agur não conhecia. Sabemos inclusive o nome do Filho de Deus, Jesus, o nome sobre todo nome.
Agur estava no caminho certo, dado que ele entendia o princípio da adesão à Palavra de Deus. E ele certamente entendia o bastante para emitir frases verdadeiras e argutas, como ele o faz no restante do capítulo. Mas a sua oração relativa ao “pão necessário”, sem riqueza nem pobreza, com a admissão de sua fraqueza pessoal, sendo tão destoante de todo o restante da Bíblia a esse respeito, deve ser creditada à ignorância que ele admite no início do capítulo. Portanto, não pode ser normativa para todos os cristãos de todos os tempos.
Esta é a minha aplicação dessa oração: se você é tão estúpido quanto um animal irracional, e se você não sabe sequer o nome do Filho de Deus — algo praticamente impossível após a revelação do Novo Testamento — então faça a oração de Agur. Admita que a sua fidelidade a Deus é extremamente volúvel e que as riquezas são uma tentação irresistível para você. Essa é então a opinião adequada, segundo a “medida da fé”, sobre você mesmo. Antes isso do que uma atitude presunçosa. No entanto, se você conhece o nome pactual de Deus, Yahweh, com todas as suas promessas e mandamentos; se você conhece Jesus Cristo, em quem estão guardados todos os tesouros da sabedoria de Deus; e se você foi iluminado pelo Espírito Santo para discernir as coisas de Deus e receber a mente de Cristo, então siga os verdadeiros modelos de fé, como Salomão, Paulo e tantos outros que não citei. Ore por prosperidade, sabendo que esse é um presente de Deus garantido pela sua aliança, sem medo de errar.
Mas se você é realmente como Agur, e se você tem a humildade dele — a humildade verdadeira, não a romantizada — então fale somente por você ao fazer essa oração. Ao passo que os cristãos em toda a Bíblia que criam nas promessas de prosperidade e que eram incondicionalmente fiéis a Deus encorajam os leitores a imitá-los, Agur fez a sua oração em termos apenas pessoais, sem nenhuma pretensão de rebaixar os seus leitores ao seu nível. Em comparação com os teólogos profissionais, que arrogam para si o direito de falar pela cristandade inteira quando percebem suas próprias limitações, esse que “não tem inteligência de homem” começa a parecer bastante sábio. Ironicamente, esses reverendos acabam tendo mesmo que aprender sabedoria com Agur. É aquele provérbio (não bíblico): para ficarem ruins, precisam melhorar muito.
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⁹ Conferir o meu livro O Senhor que te Sara.
¹⁰ Ainda usam essa expressão ou estou ficando velho?
¹¹ O detetive Sherlock Holmes está correto quando diz, no conto O Intérprete Grego: “Meu caro Watson, não concordo com os que incluem a modéstia entre as virtudes. Para o lógico, todas as coisas devem ser exatamente o que são, e subestimar-se é tão falso quanto exagerar o próprio talento. Portanto, quando digo que Mycroft tem maior capacidade de observação, pode estar certo de que falo a verdade exata e literal”.
— Poder do Alto