A Suprema Autoridade da Tradição?
Os cessacionistas estão errados e eu provei isso. É bem fácil de provar, na verdade. Basta deixar que a Bíblia fale por si mesma, sem forçá-la a esquemas prévios. Mas, não querendo admitir a derrota, os reformados frequentemente lançam mão de um expediente ridículo: o apelo à tradição.
“Mas João Calvino disse isso!”, “Mas Charles Spurgeon disse isso!”, “Mas os puritanos diziam aquilo!”, “Mas os delegados de Westminster achavam aquilo outro!”, e assim sucessivamente. Com isso, a única coisa que os reformados conseguem é provar que todos esses personagens caíram sob as minhas correções. Eles não provaram que eles estão certos, só provaram que tudo o que eu disse se aplica a eles. Veja, não é do meu interesse reclamar de nenhuma figura histórica em particular — os reformados é que insistem em trazer o cadáver deles para a conversa, em vez de deixá-los descansar em paz.
O que eles querem dizer basicamente é “Então você está dizendo que todos os melhores homens da cristandade estavam errados e só você está certo?”. Bem, primeiro que não sou só eu: há muitos teólogos ao longo da história que concordariam comigo e que escreveram sobre as mesmas coisas que escrevi. Vocês reformados é que são tão incrivelmente arrogantes que pensam que só a tradição de vocês representa a totalidade da ortodoxia na história da igreja. Vocês resolveram que todos esses heróis favoritos e todos os formuladores de credos e confissões de que vocês mais gostam são a melhor coisa — não, a eternamente insuperável coisa que já aconteceu e que pode acontecer — na história da igreja em todo o mundo.
Querem ver um exemplo? Eu não sou nenhum especialista em patrística, mas há referências à realidade presente dos poderes milagrosos em Clemente de Alexandria e em Irineu. No contexto de Irineu, ele faz do exercício desses poderes — curar enfermos, ressuscitar mortos, profetizar — aquilo que distingula a igreja verdadeira contra a seita dos gnósticos. Mas os cessacionistas insistem que tudo isso acabou após o primeiro século. Por que eles nunca mencionam os registros históricos que os desmentem? Veja, eles não ligam realmente pra história, mas apenas para o recorte da história que confirma o que eles já queriam provar antes.
Mas o que isso me importa? Se todos esses teólogos históricos estavam errados, então eles estavam errados. Ponto. Simples assim. Se a Confissão de Fé X ou os Catecismos Y estão errados, então problema deles. Se eles são “históricos”, então eles estão errados por mais séculos. Se as mentes desses homens são o máximo que a tradição de vocês consegue produzir, então vocês precisam melhorar pra caramba. “Ah, então você se acha mais inteligente do que todos eles?”. Ora, o que querem que eu faça? Que eu finja que não li na Bíblia o que está escrito nela? Que eu persuada a mim mesmo de que eu sou analfabeto? Não sou obrigado a autossabotagem intelectual de vocês.
Do que adianta vocês reclamarem dos católicos romanos e ficarem repetindo “sola scriptura” vinte vezes por dia? A única diferença é que vocês proferem a frase formal de que esses homens eram falíveis e de que os escritos deles também precisam ser julgados pela Bíblia. Mas vocês não permitem que a Bíblia fale nada contra eles! Vocês já se convenceram de que eles não tem nada para ser corrigido, e só por isso sentem segurança de fazer da Bíblia o juiz deles. Porém, se aparece alguém totalmente desprendido dessa necessidade pueril de reverenciar uma tradição provando que a Bíblia de fato mostra tais e tais erros nos teólogos históricos, então de repente eles se tornam infalíveis!
Não existe nenhuma impossibilidade em que a igreja esteja errada sobre certa doutrina há séculos. O fato de que tantas “mentes brilhantes” caíram no mesmo erro apenas prova que elas não eram tão brilhantes assim. Qualquer cristão pode corrigir João Calvino, Charles Spurgeon, John Owen, John Bunyan ou seja quem for. Basta que ele prove com a Escritura. É muito simples. Não dói nada.
Jesus impressionou os seus ouvintes porque ele falava com autoridade própria. Ele usava somente a Escritura para provar os seus ensinos, e ele fazia isso constantemente desafiando a tradição dos anciãos. Até mesmo quando ele concordava com certa parte da tradição, como no caso da controvérsia sobre o divórcio, ele não citava essa tradição para apoiá-lo. Ele não disse “Conforme a escola de Shammai, o divórcio só é permitido em caso de adultério”, e sim “Está escrito: Deus os fez homem e mulher. Por essa razão, deixará o homem seu pai e sua mãe etc”. Os autoproclamados guardiões da ortodoxia histórica só se sentem seguros porque estão inseridos em uma tradição favorita. A Escritura é para eles meramente acessória.
Eu não sou nenhum adepto do anti-intelectualismo. Eu leio livros de teologia. Mas eu me dirijo a eles buscando insights, não verdades primárias. Eu leio os teólogos porque eles podem ter percebido coisas que eu ainda não percebi sozinho na Escritura. Eles são uma maneira de ganhar tempo. Mas somente a Bíblia é suficiente para fornecer todas as verdades primárias e a interpretação correta delas. Assim, se eu vou ler Agostinho, ou Calvino ou algum puritano, ou a Confissão de Fé de Westminster, eu vou verificar se esses escritos adiantam alguma clareza na interpretação bíblica. Mas eu não me eximo de julgá-los pela Escritura que conheço.
Portanto, se tal ou qual “grande teólogo” da história teve depressão ou sofreu com enfermidades por toda a vida, eu não dou a mínima. Ele não é o meu “teto” de espiritualidade. Jesus é o meu teto. Jesus foi crucificado por mim, não Calvino. Eu fui batizado em nome de Jesus, não de Spurgeon. Eu serei julgado por Jesus e de acordo com os ensinos de Jesus no último dia, não por qualquer puritano ou pai da igreja. Eles não são meus intercessores. Então, se Jesus diz que eu posso ter uma fé capaz de mover montanhas e que posso curar enfermos impondo as mãos sobre eles, eu não preciso da permissão nem do exemplo prévio de nenhum teólogo. O fracasso deles não precisa ser meu. No que eles foram bons, posso aprender com eles. No que foram ruins, problema deles. Ora, Paulo disse aos gálatas que até se um anjo vindo do céu — não um demônio, mas um anjo como Gabriel ou Miguel — viesse pregar um evangelho diferente, que fosse anátema. Quanto menos consideração um cristão deveria ter por um mero humano que pregou um evangelho de doença, sofrimento desnecessário e cessação de poderes!
Queridos cessacionistas e reformados cheios de confissões e tradições: cresçam. Essa dependência emocional da tradição e de um punhado de teólogos famosos é pura criancice, como de quem diz ao coleguinha da escola “Meu pai bate no seu!”. Vão aprender o que é “sola scriptura” com Jesus, que a utilizou contra tudo o que discordava dela, por mais tradicional e histórico que fosse.
— Oliver Amorim