A Doença de Eliseu
Por fim, temos de lidar com uma referência que, à primeira vista, soaria dissonante com tudo o que dissemos até agora:
Estando Eliseu padecendo da enfermidade de que havia de morrer, Jeoás, rei de Israel, desceu a visitá-lo, chorou sobre ele e disse: Meu pai, meu pai! Carros de Israel e seus cavaleiros!… Morreu Eliseu, e o sepultaram. Ora, bandos dos moabitas costumavam invadir a terra, à entrada do ano. Sucedeu que, enquanto alguns enterravam um homem, eis que viram um bando; então, lançaram o homem na sepultura de Eliseu; e, logo que o cadáver tocou os ossos de Eliseu, reviveu o homem e se levantou sobre os pés (2Rs 13.14, 20–21).
O próprio profeta Eliseu ficou doente e não foi curado, vindo a morrer. O que isso significa?
É nessas referências obscuras que os cristãos se atrapalham e começam a negar a clareza do restante do testemunho bíblico, alegando exceções. É muito fácil traçar um esquema de interpretação bíblica a partir de diversos casos e ignorar os demais como se fossem “exceções”. Esse tipo de recurso é inadmissível. Só podem existir exceções a uma regra se Deus disser que sim, e ele nunca disse que um cristão poderia atender a todos os termos do pacto e mesmo assim não receber a cura de doenças. Exceções são um dispositivo conveniente para os preguiçosos, e eu não vou me dobrar a esse expediente baixo.
Uma vez que em nenhum lugar está escrito que, às vezes, as promessas de Deus não se cumprem, a premissa básica para se entender o caso de Eliseu é que ele se enquadra na regra. De alguma forma, Eliseu não atendeu aos termos de Deus para ser curado. Talvez ele tenha cometido um pecado e estava sendo punido por isso. Talvez ele simplesmente não pediu a Deus para ser curado e preferiu aceitar o seu estado. Talvez, como profeta, ele tenha recebido alguma mensagem especial de Deus para que não orasse pela cura. Como saber? O texto não explica o que houve para Eliseu morrer doente. Se ele curou tantas pessoas em Israel, por que não curou a si mesmo? A Bíblia não diz. É impossível saber. E não há problema nenhum com isso. A morte de Eliseu não desabona a nossa tese em nada. Ela não prova que um crente pode ser irrepreensível diante de Deus e ter fé para ser curado e, mesmo assim, não ser. A única conclusão que se adequa com suavidade ao ensino bíblico é que Eliseu não atendeu a algum requerimento de Deus para ser curado, e não é importante sabermos qual requerimento foi esse. Os crentes precisam se acostumar ao fato de que os profetas de Deus são homens como nós, não são infalíveis na fé ou inerrantes na moral.
O que fica claro no final da referência é que o poder milagroso de Deus era tão atuante no profeta que os seus restos mortais ressuscitaram um homem. Ele pode não ter recebido a cura para si, mas Deus usou até mesmo o seu cadáver para continuar fazendo milagres. Se alguém quiser alegar que é normal um crente morrer doente por causa do exemplo de Eliseu, que prove também ser normal levar os doentes para o seu túmulo para serem curados.
— André de Mattos Duarte, trecho de “O Senhor Que Te Sara”.
