A Distinção Criador-Criatura

Vincent Cheung

Quanto à Exclusive Psalmody, deixe-me fazer uma observação inspirada pelo que eu disse lá. Sabemos que algumas pessoas pertencem à tradição teológica que enfatiza a distinção Criador-criatura. Para elas, isso significa que nós sempre devemos presumir a distância imensa entre Deus e o homem. Temos de ser teocêntricos em nossa interpretação das escrituras e de todas as coisas, e por algum motivo isso também significa que devemos manter em mente a finitude humana. Eu tenho dificuldade de unir essas coisas, porque é aqui que elas param de fazer sentido e começam a escorrer pelos meus dedos. Isso porque, por exemplo, essas pessoas que enfatizam tanto uma distinção de Criador-criatura impõem uma interpretação antropocêntrica em tudo, até neles mesmos, no mundo, na Escritura e no próprio Deus. Podemos entender Deus, ou a Bíblia? Bem, nós temos de respeitar a distinção Criador-criatura e, já que o Criador é tão grande e nós somos tão finitos, não podemos compreendê-lo. Ué… então a nossa finitude vence? Então a nossa finitude é maior que a infinitude de Deus? Isso parece horrivelmente antropocêntrico. Se Deus é tão grande, ele pode nos fazer entender. Ele é o fator decisivo, e não nós. Isso sim é ser teocêntrico.

Isso foi só um exemplo. Eu quero falar sobre as coisas que comentei sobre os Salmos. Considere todas as promessas e bênçãos de Deus que os escritores dos Salmos aplicavam a si mesmos. Eles reconheciam a distinção Criador-criatura. Eles reconheciam com frequência a sua fraqueza, até o seu desespero. A diferença é que eles não deixavam que isso determinasse o que Deus faria na vida deles. Se houvessem feito isso, teriam sido antropocêntricos como os nossos teólogos imprestáveis. Nós somos pecadores. Deus é justo. O que acontece? Ele perdoa todas as nossas iniquidades e nos justifica. Nós estamos doentes. Deus é aquele que sara. O que acontece? Ele sara todas as nossas doenças e nos torna saudáveis. Nós estamos sozinhos e com medo. Ele é autossuficiente e todo-poderoso. O que acontece? Ele se torna o nosso Pai, nosso pastor, nosso amigo e nos faz fortes, cheios de alegria e paz. Os Salmos estão lotados disso. Em contraste, nossa ortodoxia histórica e oficial foca no lado humano das coisas e interpreta tudo a partir dessa perspectiva, até destruindo as promessas e a onipotência de Deus.

Isso se aplica à Bíblia toda. Eu reconheço a distinção Criador-criatura. Como Jesus disse, eu não posso sequer tornar o meu cabelo preto ou branco preocupando-me. E ele disse que eu não posso fazer nada sem ele, mas nada é impossível para Deus. Então o que acontece? Como criatura, eu me volto para o Criador e me torno centrado no Criador ao refletir sobre minhas possibilidades. E então Jesus me diz que tudo é possível ao que crê. E então Jesus me diz que, se eu permanecer nele e suas palavras permanecerem em mim, eu poderei pedir o que eu quiser e receberei. E então Jesus me diz que, se eu tiver fé, posso ordenar que uma montanha se lance ao mar e ela me obedecerá. E então Jesus me diz que, se eu crer nele, eu poderei fazer os mesmos milagres que ele fez e outros ainda maiores. O que eu fiz? Quando eu reconheço a distinção Criador-criatura e foco no Criador, eu vejo a mim mesmo a partir da perspectiva dele, e eu vejo as minhas possibilidades de acordo com a capacidade do Criador, não de acordo com as limitações da criatura. Os teólogos de araque acham que, se você admitir a distinção Criador-criatura, a conclusão só pode ser de fraqueza, mas o oposto é verdade. Como Paulo disse, quando eu sou fraco, ENTÃO EU SOU FORTE!

É assim que você deve ler os Salmos e toda a Bíblia. Quando temos fé no Criador — quando somos teocêntricos — isso significa que nós não estamos mais limitados ao que é possível a meras criaturas, antes devemos pensar no que é possível ao Criador. Você pode perceber como a teologia mainstream fracassou miseravelmente e traiu o evangelho e todo o povo e Deus? Eles projetam a finitude da criatura em todo o relacionamento com o Criador. Eles fazem com que o homem seja o fator decisivo. Aí o entendimento é difícil. Aí os milagres são impossíveis. Santificação é uma luta horrenda e a ousadia é uma blasfêmia explícita. A palavra de Deus rompe as cadeias dessa insanidade, dessa teologia autocentrada e de justiça própria. Nós vamos parar de impor os limites do homem a cada coisinha e parar de rejeitar o que o próprio Deus disse a respeito. Nós sabemos que somos apenas criaturas, e é por isso que não vamos nos ater aos nossos limites, mas vamos focar no Criador, nas capacidades dele e nas suas promessas. Nós creremos em coisas maiores do que nós mesmos. Nós creremos em bênçãos e em milagres. Nós seremos cristãos.

Eles dizem: “Não esqueça a distinção Criador-criatura! Você é só um homem. Você não é Deus!”. Mas eu não preciso ser Deus. Porque ELE é Deus, então como Jesus disse, quando eu tiver fé nele, poderei ordenar que uma montanha se mova, e depois ele disse “Nada será impossível para você”. Eles dizem: “Lembre-se de que você é finito! Você é só um homem. Você não pode entender!”. Mas eu não preciso ser infinito. Porque ELE é Deus, então, como Jesus disse, quando o Espírito da verdade vier, ele me guiará a toda verdade. Se um indivíduo insiste que, porque ele é um homem finito, ele não pode entender e nem fazer prodígios extraordinários, a única razão seria que não há Criador — nenhum Deus — do outro lado da sua religião. A sua fé não é um relacionamento Criador-criatura, mas um relacionamento criatura-criatura, consigo mesmo. Sua teologia é limitada ao que ele consegue crer a respeito de si mesmo porque — e este é o segredo — o seu “Deus” é só ele mesmo. É quase uma forma de solipsismo, e a sua fé é apenas uma projeção. Isso explica a humildade forjada na ortodoxia antropocêntrica. Não há Deus na outra extremidade da sua fé. Ele não pode ser teocêntrico porque Deus está totalmente ausente da sua vida e da sua doutrina. Você pode perceber que isso subverte o pensamento padrão e nos leva para a direção oposta. Mas também pode perceber que eu estou certo.

Veja:
Exclusive Psalmody

— Vincent Cheung. The Creator-Creature Distinction. Disponível em Contract (2020), pp. 117–118. Tradução: Luan Tavares.